Quatro voluntários gaúchos de uma ONG que presta auxílio a crianças na África enfrentaram dificuldades para deixar Burkina Faso e retornar ao Brasil devido a entraves burocráticos e a restrições de circulação entre os países devido à pandemia de coronavírus.
Jeferson Luiz da Silva, 37 anos, Kamila Bianchi da Silva, 31 anos, Larissa Perske Carneiro, 23 anos, e Paola Góis Muniz, 28 anos, estavam há 15 dias sem conseguir deixar o país africano. No dia 21, eles foram retirados da sala de embarque do aeroporto da capital, Uagadugu, por um funcionário da companhia aérea Air Marrocos, acompanhado de policiais federais. Os homens alegaram que os voluntários não poderiam ingressar no avião, que teria como destino Marrocos, primeira escala da viagem que passaria ainda por Frankfurt (Alemanha) e São Paulo, antes do desembarque em Porto Alegre.
- Pegaríamos o voo às 3h25min da madrugada. Já tínhamos passado pela polícia federal, imigração, com o passaporte carimbado, malas despachadas, porque aqui são diversas etapas até chegar na porta em que tu vais pisar na pista para entrar no avião. Já tínhamos passado por todas essas etapas, estávamos esperando o ônibus que nos levaria até o avião. Foi nessa hora que veio um funcionário da Air Marrocos, perguntando onde estavam os brasileiros, pedindo nossos passaportes. Disseram que o voo de Marrocos para Frankfurt teria sido cancelado e que não poderíamos entrar - contou Jeferson, que mora em Cachoeirinha, na Região Metropolitana, com a esposa, Kamila.
O grupo decidiu passar a madrugada no aeroporto à espera de informações, que não chegavam.
- Não tínhamos comunicação com ninguém. Ficamos deitados no chão do aeroporto. Havia muitos mosquitos. Aqui, a malária é muito comum. É muito quente, e ficamos ali até as 9h da manhã, quando decidimos pegar um táxi para voltar a esse local onde estamos agora - afirmou.
Com pouco dinheiro, os passaportes carimbados como se tivessem deixado o país e com o visto de permanência expirando, os quatro procuraram abrigo em uma missão da Igreja Batista próximo ao aeroporto:
- Era o que conseguiríamos pagar por no máximo quatro dias e já se passaram 12. Hoje, (sexta-feira, 2), fizemos testes de covid, estamos esperando a resposta.
Paralelamente, teve início uma maratona que envolveu contatos com a embaixada brasileira, pedidos na Justiça para que a companhia liberasse sua partida, além de idas e vindas na loja da empresa com exigências para o embarque.
- Tivemos de entrar com pedido judicial contra a Air Marrocos para que nos passassem para outro voo para nos encaminhar para o Brasil - explicou Jeferson.
Eles contataram um advogado em Porto Alegre, que entrou com o pedido para que a companhia endossasse voo para outra empresa via Etiópia. Um juiz local, que chegou a negar o pedido, por fim, autorizou a mudança. Mesmo assim, o grupo continuou sem informações por parte da Air Marrocos. A agência de viagens em Venâncio Aires, a Motiva Viagens, ao qual o grupo está vinculado, precisou comprar quatro passagens no valor total de R$ 19,3 mil da Ethiopian Airlines, via Addis Ababa (capital da Etiópia).
- Eles estavam correndo risco de vida e não entrava na minha cabeça que eles teriam de ficar mais dias lá, sofrendo e com as mães aqui muito preocupadas - disse a agente de viagens Juliana Webber, que atende o grupo. - Houve falta de total consideração por parte da Air Marrocos. Houve falta de humanidade total da empresa.
O grupo só conseguiu embarcar depois de apresentarem testes negativos para covid-19:
- Graças a Deus, a embaixada brasileira pagou nosso teste de covid, que passou de R$ 2 mil para os quatro.
Jeferson afirmou que até agora tenta entender porque não conseguia embarcar:
- Uma hora eles alegavam que não tínhamos visto para entrar em Marrocos, sendo que brasileiros não precisam de visto, outra hora diziam que o voo tinha sido cancelado. Até hoje, não entendemos porque a gente não conseguiu embarcar.
Os brasileiros receberam autorização para viajar no domingo (4), às 9h35min via Etiópia. Chegaram a São Paulo na tarde desta segunda-feira (5).
O grupo deixou o Brasil em 28 de dezembro. Os gaúchos integram a ONG Cacemar, que desde 2001 presta auxílio a crianças de Burkina Faso vítimas de violência, em especial os "garibous" (meninos em situação de escravidão). Burkina Faso faz fronteira com o Mali, o Níger, Benin, Togo, Gana e Costa do Marfim, área de atuação do grupo terrorista Estado Islâmico. Recentemente, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) apontou a nação africana como um dos locais de alerta máximo para a fome.