Relações exteriores são um tema que parece distante do dia a dia da maioria dos brasileiros, envolvidos em tantas outras preocupações urgentes, como saúde, educação e emprego. Mas um diplomata é como o árbitro de futebol. Só chama atenção quando algo dá errado. Se tudo está transcorrendo bem, esses representantes costumam ser low profile, transitam nos bastidores das relações internacionais.
O protagonismo do agora ex-chanceler Ernesto Araújo em um país que pouco valoriza a política externa – porque normalmente não rende voto – já era um claro sintoma de que algo não andava bem no Brasil. Os outros são mais conhecidos: a ruptura com as tradições de um Itamaraty cujos representantes mundo afora são respeitados pelo profissionalismo e pragmatismo, sabedores de que são enviados do Estado brasileiro e não de governos que ora ocupam o poder transitório.
Agora que Araújo faz parte da história, o novo chanceler Carlos Alberto Franco França tem a liderar um gigantesco trabalho de reconstrução da imagem do Brasil no Exterior, deteriorada por rusgas com aliados históricos, pela inaptidão ao lidar com diferenças de pensamento, pelas crises dos incêndios na Amazônia e pela inépcia ao gerenciar a pandemia. Mas há antes problemas urgentes: acelerar a chegada de vacina ao país. Sim, porque muito da lentidão brasileira, que não imunizou nem 10% da população, se deve ao isolamento brasileiro do resto do mundo, das escolhas ideológicas e binárias que fez sobre quem é aliado e quem é "inimigo" (quase todos imaginários) e, sobretudo, desconhecimento de como funcionam as cadeias de produção dos imunizantes.
Mudanças aceleram processos. Estão aí os Estados Unidos a demonstrarem como a troca de um governo que minimizava a covid-19 por outro que coloca o enfrentamento do coronavírus como prioridade faz a diferença. Sob Joe Biden, o país cumpriu a meta de vacinar 100 milhões de americanos antes do prazo e a dobrou. No caso brasileiro, a troca no Itamaraty, sozinha, não terá efeito direto sobre a vacina. Mas é um começo.
Acelerada a chegada dos imunizantes, outra prioridade do novo ministro será encontrar canais de diálogos com o governo Biden. Sob Jair Bolsonaro e Araújo, o Brasil cometeu o grotesco erro de se aliar automaticamente a Donald Trump, ignorando que governos passam e Estados ficam. Os elos entre brasileiros e americanos são históricos, não precisavam ficar reféns de preferências ideológicas. Mas Biden e os democratas em geral sabem da submissão de Bolsonaro a Trump e não será fácil encontrar interlocutores.
A outra ponte a ser reconstruída é com a China, o principal parceiro econômico brasileiro. Despolitizar o tema da 5G é prioridade. Um bom começo seria convidar representantes da embaixada chinesa para um chá de tarde no Itamaraty. Mostraria boa vontade depois das descortesias de Araújo e do filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro. Os chineses, pragmáticos que são, certamente compareceriam, como se nada tivesse ocorrido. Embora, como os americanos, também não esqueçam.
Há outros movimentos necessários: recuperar o diálogo com França e Alemanha, se reaproximar dos parceiros do Mercosul (principalmente da Argentina) e voltar a atuar como líder regional.
Talvez só depois desses movimentos, o Brasil possa começar a pensar em recuperar a imagem internacional. Com vacina, pragmatismo, dialogando com todos, com quem pensa igual e com quem pensa diferente, e recuperando os pilares da tradição diplomática brasileira.
Tenho dúvidas se França fará isso. Vai depender do grau de autonomia que terá. A seu favor, contam características como moderação, pragmatismo, habilidade de negociação e, sobretudo, discrição. Que essas qualidades dos hábeis diplomatas da Casa de Rio Branco não sejam suplantadas pela gritaria de membros do círculo próximo ao presidente, que costumam brincar de fazer política externa.