Um caso misterioso, revelado pela rede britânica BBC na noite de terça-feira (16), mistura intrigas familiares de um dos mais ricos clãs do Oriente Médio e relações de poder, além de revelar a falta de igualdade de direitos entre homens e mulheres no rico Emirados Árabes Unidos.
Pelo documentário apresentado pelo programa "Panorama", da TV britânica, a princesa Latifa bin Mohammed al Maktoum, filha do primeiro-ministro do país, o xeique Mohammed bin Rashid al Maktoum, estaria sendo mantida refém em uma residência transformada em prisão.
- Sou uma refém. Todas as janelas estão lacradas, não posso abrir nenhuma delas. Estou sozinha, em confinamento solitário. Sem acesso a assistência médica, sem julgamento, sem acusação, sem nada - diz a mulher, que teria gravado o vídeo por meio de um celular obtido por uma amiga, que teria furado o bloqueio da segurança.
A BBC verificou a autenticidade do vídeo de forma independente. Latifa estava em uma casa próximo ao mar e cercada por 30 policiais. Não se sabe se ela ainda está no local, conforme a emissora.
Latifa estaria retida há mais de um ano. Em 2018, ela tentou fugir do país, mas foi interceptada por um comando formado por forças indianas e agentes do governo de seu pai, no Oceano Índico. O grupo a levou de volta a Dubai. Desde então, não foi mais vista.
O pai de Latifa é um dos políticos mais ricos do mundo. Além de primeiro-ministro dos Emirados Árabes, o xeique Mohammed é vice-presidente do país e emir (príncipe) de Dubai.
Os Emirados Árabes Unidos são uma federação formada por sete emirados (os mais conhecidos são Abu Dhabi e Dubai) e têm relações próximas com vários países do Ocidente, inclusive os EUA e o Reino Unido.
O rico país, assentado sobre reservas de petróleo, é um case de sucesso econômico no Golfo, vende internacionalmente sua imagem de nação moderna e com praias paradisíacas, mas, na prática, é uma autocracia.
O país não tolera a dissidência política, há repressão contra homossexuais, e as mulheres são tratadas como de segunda classe. No ranking da democracia da Economist Inteligence, está na 145ª posição. Na Freedom House, é classificado no máximo com 17 pontos (sendo 0 ausência de democracia e 100 democracia plena). A mesma pontuação do Irã.
O caso da princesa Latifa ilustra o desrespeito às mulheres, que, no país, podem trabalhar, votar, dirigir e herdar propriedades, mas existem aspectos da vida pessoal que são controlados por um tutor homem - geralmente o marido ou outro parente homem. Precisam, por exemplo, da autorização desse tutor para se casar. O divórcio é muito mais difícil para elas, que precisam solicitar uma ordem judicial - essa exigência não existe no caso dos homens.
O Código Penal do país permitia, até 2016, a violência doméstica (explicitamente). Um artigo que garantia que as mulheres deveriam obedecer a seus maridos foi revogado só em 2019. Em março do ano passado, uma nova lei entrou em vigor permitindo que mulheres tenham acesso a medidas de proteção. Mas ainda cabe a um juiz definir se os homens "excederam sua autoridade" em casos de agressão.
Sobre o caso de Latifa, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos informou que irá pedir explicações ao governo.