A reação dos deputados democratas à invasão do Congresso dos Estados Unidos, incitada por Donald Trump, começou na segunda-feira (11), com a apresentação do processo de impeachment contra o presidente na Câmara dos Deputados, onde deve ser levado à votação do plenário na quarta-feira (13).
Como já ocorreu no ano passado, o processo deve avançar na Casa, onde a oposição conta com a maioria dos assentos, mas, também como em 2020, provavelmente será barrada no Senado (onde os republicanos são maioria).
Para avançar na Câmara Alta do Congresso americano, o processo precisaria ser aprovado por dois terços dos senadores, ou seja seriam necessárias defecções por parte dos parlamentares governistas - até são esperadas algumas "traições", dada a revolta contra Trump depois das cenas constrangedoras do dia 6 no Capitólio, mas não em número suficiente para tirá-lo do poder a oito dias da posse de Joe Biden.
Há características peculiares do processo de impeachment nos Estados Unidos:
1) O processo pode continuar no Congresso americano, mesmo depois da posse de Joe Biden. Nesse caso, o foco da discussão migra da interrupção do mandato para uma segunda análise - a perda dos direitos políticos, que impediria Trump de se candidatar à presidência em 2024. São votações separadas. Para impedir que o réu volte a ocupar cargos federais, é necessária maioria simples após a condenação (a primeira votação, quando são necessários dois terços da Casa). Por isso, alguns democratas defendem que esse processo só seja levado ao Senado depois do dia 20, quando o partido terá 50 votos (48 + 2 independentes, que votam com eles + o voto de minerva, da presidente da Casa, que será a vice do país, Kamala Harris). Os democratas precisariam contar com a defecção de 17 republicanos.
Há um porém nesse caso: o processo de impeachment seguindo no Capitólio após a posse de Biden pode atrasar a aprovação dos nomes do novo gabinete pelo Senado - nos EUA, todos os secretários (cargo equivalente ao de ministros) devem ser aprovados pela Casa. O atraso prejudica a largada do novo governo, que precisa lidar com desafios urgentes, como a pandemia de coronavírus e a crise econômica.
2) Por outro lado, adiar o processo no Senado também pode ser vantajoso para os democratas em sua tentativa de punir Trump uma vez que, até lá, a presidência da Casa segue com o líder do governo, o senador Mitch McConnell. Após o dia 20, o novo líder da maioria será o senador democrata Charles Schumer - o presidente, como no Brasil, tem poder de acelerar a agenda.
3) E se Trump se livrar do impeachment, ele pode ser julgado inelegível para 2024? Não necessariamente. Há uma discussão jurídica neste momento nos EUA. Alguns defendem que, antes, ele precisa ser considerado culpado das acusações apresentadas no processo de impeachment para só depois ser julgado sobre a elegibilidade.
4) E a 25ª Emenda, está abortada a ideia? Praticamente. A evocação do princípio, que consideraria Trump sem condições de exercer o cargo, deve ser feita pelo vice-presidente Mike Pence. O republicano havia se afastado de Trump desde a sessão caótica do dia 6, quando presidiu a votação e ratificação do resultado as eleições, após ser pressionado pelo chefe a não reconhecer os números. Eles ficaram sem se falar até o final de semana, mas na segunda-feira (11) se reuniram pela primeira vez desde a invasão do Capitólio. Fontes da Casa Branca informaram que os dois tiveram "uma boa conversa". A reaproximação indica que não houve traição e afasta da ideia da evocação da 25ª Emenda, que para avançar ainda precisaria de aprovação de todo o secretariado - ministério (algo impensável neste momento).
Como os democratas deram 48 horas para Pence evocar a emenda - e ele não o fez -, os deputados da oposição planejam votar nesta terça-feira (12) uma resolução pedindo a remoção de Trump do cargo, baseado na mesma premissa. A resolução apresentada pela democrata Jamie Raskin, de Maryland, pede a Pence "que use imediatamente seus poderes sob a seção 4 de 25ª Emenda para convocar e mobilizar os principais membros do gabinete para declarar o que é óbvio para uma nação horrorizada: que o presidente é incapaz de cumprir com sucesso os deveres de seu cargo".
Como os democratas são maioria na Casa, a resolução deve ser aprovada. Mas, como Pence deve fazer ouvidos moucos, a medida será simbólica e apenas contribuirá para desgastar ainda mais a imagem de Trump - sem, no entanto, efeitos práticos.