Nos Estados Unidos, o presidente em fim de mandato é chamado de "pato manco" ("lame duck"). Embora continue no poder, tudo que fizer nos últimos dias de mandato tem pouco valor.
Donald Trump é um pato manco só e sem sua principal distração: as redes sociais.
Desde o ataque da quarta-feira (6) ao Congresso, cujos manifestantes foram insuflados por seus tuítes, o presidente dos Estados Unidos vive uma solidão inédita _ pelo menos seis altos funcionários da Casa Branca renunciaram, senadores do seu próprio partido pedem a interrupção do mandato antes do dia 20, democratas articulam novo processo de impeachment, seu vice, Mike Pence dá sinais de traição, e - para seu desespero - ele ainda não pode exibir toda sua ira nas redes sociais, porque foi bloqueado por Twitter e Facebook.
No círculo próximo, Trump está ao lado apenas de sua família. Era algo esperado. O presidente, ao longo dos últimos quatro anos, comandou a nação, fazendo do Salão Oval a extensão de sua casa - inclusive colocando no poder parentes, como a filha, Ivanka, e o genro Jared Kushner.
Até bajuladores de plantão, segundo veteranos correspondentes da Casa Branca, evitam a presença do presidente. Ele estaria raivoso e em negação, conforme as palavras do jornalista Jonathan Karl, da rede ABC. Até a noite de sábado, Trump e Pence não haviam se falado desde a invasão de quarta-feira (6). É incomum o presidente o vice manterem esse silêncio de três dias. Cabe a Pence evocar a 25ª Emenda, que permite o afastamento do líder da nação por incapacidade de governar. Muitos entendem que o vice estaria guardando essa carta na manga para o caso de Trump radicalizar suas ações e coloque em risco a segurança do país.
A relação entre os dois se deteriorou na última semana, quando Trump colocou Pence em situação delicada ao sugerir que não chancelasse o resultado da eleição durante a tumultuada sessão do Congresso, na quarta-feira. Foi a gota d´'agua para o vice, que sempre atuou como fiel escudeiro, amenizando o tom do chefe após declarações ou postagens agressivas do chefe.
No Capitólio, a maioria dos pedidos por novo processo de impeachment - o primeiro foi barrado no Senado em 2020 - vem dos democratas, mas há mostras de defecção nas fileiras republicanas. Os senadores Lisa Murkowski, do Alasca, e Pat Toomey, da Pensilvânia, falam abertamente que a renúncia seria o melhor caminho. O deputado Adam Kinzinger, de Illinois, também aderiu.
Sem seu palanque virtual, Trump tem todo um aparato de mídia de direita a seu favor - sem falar dos seguidores que migraram para plataformas alternativas ao Twitter e ao Facebook. É por meio desses fóruns que apoiadores de Trump estão prometendo voltar a Washington no dia 20, data da posse, no que muitos organizadores estão chamando de "Marcha das Milhões de Milícias".
Enquanto nos meandros políticos, há afastamento, em fóruns da internet
Enquanto isso, o país enfrenta uma grave crise econômica e é o único do mundo a superar os 300 mil mortos em covid-19 - já se aproximando dos 400 mil.