Quis o destino que a Geórgia se tornasse o último cavalo de batalha de Donald Trump em seu afã de contestar o resultado da eleição de 3 de novembro.
Nesta terça-feira (5), o Estado sulista se torna símbolo do acirrado processo eleitoral que levou à vitória de Joe Biden nos Estados Unidos.
Não se trata apenas da disputa em segundo turno para as duas vagas que faltam para completar o Senado americano. Em jogo está o poder que Biden terá na Casa Branca pelos próximos quatro anos.
Se os dois candidatos democratas desbancarem os competidores republicanos, o presidente que irá assumir terá mais facilidade para governar. Com maioria de um voto na Casa (em caso de empate no plenário, o voto de minerva cabe à vice-presidente, Kamala Harris, que também exercerá o cargo de presidente do Senado), os democratas não precisarão compor alianças para fazer avançar seus projetos. Caso contrário, com o plenário na mão da oposição, os quatro anos de Biden no Salão Oval se tornarão infernais. Lembre que o processo de impeachment contra Trump, que passou na Câmara, só não avançou no Senado porque os republicanos eram maioria.
A batalha da Geórgia é também um teste para o trumpismo pós-eleição - e um bom termômetro da força do movimento do presidente em fim de mandato dentro do partido. Os dois competidores da legenda, David Perdue e Kelly Loeffler, compraram a narrativa fantasiosa de Trump de que a eleição presidencial foi fraudada. No entanto, a rejeição do secretário de Estado local, Brad Raffensperger, à pressão do presidente para "encontrar 11.780 votos" que lhe permitiriam virar o jogo no Estado mostra que nem todos os líderes republicanos foram atraídos a seu mundo de faz-de-conta.
Outros aspectos dão à Geórgia peso simbólico: a disputa presidencial atingiu ali níveis de tensão máxima, quando Trump e Biden disputavam voto a voto a preferência nas horas que se seguiram ao fechamento das urnas - e o condado de Fulton entrou para o mapa como o ponto nevrálgico da batalha pela Casa Branca. A vitória de Biden no Estado, até hoje não engolida por Trump, se deu por diferença de 11.779 votos em um universo de 5 milhões - daí porque Trump pediu, na vergonhosa gravação que o The Washington Post revelou no final de semana, que fossem encontrados 11.780 votos, um a mais para superar a diferença em relação a Biden e fazê-lo, por um passe de mágica - e de fraude - os 16 delegados do Estado no colégio eleitoral.
Palco de algumas das principais batalhas da guerra civil americana, a sulista Geórgia é também epicentro da polêmica da retirada dos monumentos aos confederados - condenada por Trump - e berço de Martin Luther King e John Lewis, ícones do passado e do presente da luta contra a segregação racial em um país que teve no mandato do atual presidente alguns dos capítulos mais sombrios.
A completar o microcosmos do processo eleitoral (ou a sensação de déjà-vu) na Geórgia, a disputa desta terça-feira (5) conta com a presença de Trump e Biden como cabos eleitorais em eventos de apoio a seus respectivos candidatos ao Senado, terá votos pelo correio - que alimentaram as denúncias de fraude do republicano - e o resultado final só será conhecido dentro de alguns dias.