Do ponto de vista militar, participar de uma força de paz significa para um país manter tropas azeitadas, seus oficiais conectados com doutrinas de outras forças armadas, e soldados com experiência em zonas de combate sem os grandes riscos envolvidos em uma guerra. Para a diplomacia, representa uma estratégia de projeção de imagem e poder na arena internacional sem a antipatia de uma força de ocupação. Ao contrário, em geral, os capacetes azuis da Organização das Nações Unidas (ONU), laureados com o Nobel da Paz, são uma tropa vista com bons olhos pelas populações nativas.
A partir desta quarta-feira (2), o Brasil perderá esses importantes capitais militar e diplomático. Ao deixar o porto de Beirute, no Líbano, a fragata Independência da Marinha encerrará sua participação na Unifil (Força Interina das Nações Unidas no Líbano), a última operação de paz da ONU da qual o Brasil ainda fazia parte - após o encerramento do trabalho no Haiti (Minustah), em 2017. Nau capitânia da missão no Líbano, a embarcação brasileira, composta por fuzileiros navais e um grupo de mergulhadores de combate, escapou da explosão na capital em agosto. Em seu posto, o Brasil vigiava as águas costeiras do Líbano a fim de evitar a entrada de armas no país por via marítima.
Ao levantar âncora no Líbano, o Brasil estará encerrando uma era de engajamento de suas Forças Armadas em missões internacionais. Pela primeira vez desde 1997, o país não terá tropas envolvidas em missões da ONU, uma tradição iniciada com os pracinhas do Batalhão de Suez, em 1967, na Guerra dos Seis Dias. Nos anos 1990, o Brasil participou de missões em Moçambique, após acordo de paz entre o governo nas mãos da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e a guerrilha da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo). O profissionalismo dos soldados brasileiros _ aliado à simpatia com que é conhecido onde atua _ chamou atenção em Nova York, e o Brasil passou a ser convidado para outras missões. Em Angola, os capacetes azuis brasileiros ficaram três anos, com atuação de mais de 4,4 mil militares monitorando a frágil paz frágil entre a guerrilha da União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita) e o governo do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
Em 1999, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o Brasil passou a ser habitué das operações de paz. A retomada se deu com o envio de militares da Polícia do Exército (PE) gaúcha ao Timor Leste, ex-colônia portuguesa ocupada pela Indonésia onde explodiu a violência após referendo pela independência. A experiência no Timor até hoje é lembrada como case de peacebuilding (construção da paz) e state-building (construção de Estado) nos escritórios da ONU, não só pelo engajamento de militares brasileiros, mas pelo trabalho de professores, equipes de saúde e a atuação de chefe da missão, o carioca Sérgio Vieira de Mello.
O sucesso no Sudeste Asiático catapultou o Brasil para a operação no Haiti, a maior da história das Forças Armadas brasileiras - e por onde passaram 37 mil militares brasileiros, entre eles centenas oriundos de quartéis no Rio Grande do Sul. Os 13 anos de missão casaram com a estratégia dos governos do PT de projetar influência brasileira no Exterior e se cacifar para, sonho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU em uma eventual reforma do órgão. A participação brasileira na Unifil, no Líbano, iniciada em 2011, entra nesse contexto: tornar o país relevante em uma área estratégica como o Oriente Médio. Passaram pelas águas libanesas nesses 10 anos quatro fragatas, entre elas a União, que ZH acompanhou em 2012.
Em 2018, foi aventada a possibilidade de o Brasil enviar tropas para a República Centro-Africana e a República Democrática do Congo. Mas os riscos de uma missão muito mais complexa do que as anteriores e os cortes orçamentários fizeram o governo Michel Temer recuar.
O encerramento da missão brasileira no Líbano tem como pano de fundo contenção de gastos e reorientação das prioridades da força marítima, cada vez mais voltada para o entorno estratégico brasileiro e a chamada Amazônia Azul, o mar territorial do país.
A fragata Independência deve chegar ao Rio de Janeiro até 28 de dezembro. Em 1º de janeiro, o Brasil passará o comando da Unifil, provavelmente, para a Alemanha. A partir de então, a participação internacional brasileira se resumirá a observações militares em missões individuais, em nações como o Chipre, a Eritreia e o Sudão do Sul.