Em conversas com estudantes e leitores, é comum me perguntarem qual, entre as mais de 30 coberturas internacionais que realizei pela RBS, foi a mais marcante.
É difícil escolher: do ponto de vista dramático, o terremoto no Haiti, em 2010, foi o que mais me devastou internamente, com cenas de corpos pelas ruas sob o calor do Caribe. A favor de New Orleans destruída pelo furacão Katrina, em 2005, conta o fato de ter sido a primeira zona de catástrofe em que meus pisaram. A entrada na Líbia sob bombas, em 2011, teve sua dose de aventura e medo. Há os momentos históricos: a morte de João Paulo II, no Vaticano, em 2005, a renúncia de um papa em 700 anos, Bento XVI, a eleição de Barack Obama, em 2008, e a de Donald Trump, em 2016. E o revoltante episódio de minha retenção em um quartel da Venezuela pelo regime de Nicolás Maduro, no ano passado.
Mas há uma, sim, que mas me marcou. Talvez os livros de História reservem a ela não mais do que um parágrafo. Mas pra mim teve o caráter especial pelos desafios que se impuseram. Cobrir a guerra entre Israel e o Hezbollah, em 2006, foi a maior experiência da minha vida como jornalista.
Foi a minha primeira cobertura em zona de conflito, o desafio de equilibrar os textos e narrativas para evitar armadilhas de ambos os lados, 15 minutos sob bombardeio no norte de Israel, a entrada no Líbano de madrugada pelo Vale do Bekaa, enclave do Hezbollah, Beirute sob ataque.
Ninguém passa incólume pelo Oriente Médio, entreposto de interesses históricos entre Ocidente e Oriente, palco bíblico, epicentro espiritual das três grandes religiões monoteístas (judaísmo, islamismo e cristianismo), gênese de civilizações. Aqueles 20 dias de cobertura foram uma pós-graduação informal em política internacional. Voltei a Beirute, como já contei aqui, em 2012, para acompanhar a missão brasileira da Marinha que integra a força de paz da ONU. Naqueles dias, regressei, em terra a locais em que havia estado seis anos antes, inclusive a Qana, vilarejo no sul do Líbano devastado pela guerra e fiz uma imersão nos interesses do Hezbollah, partido político com voz no parlamento, poder paralelo ao Estado libanês e organização terrorista fora das fronteiras do país.
Me apaixonei pelo país e passei a acompanhar de perto sua política e cultura. Pelas complexidades, o Líbano é peça pequena, mas fundamental, no quebra-cabeças estratégico do Oriente Médio. Ninguém conhece os desafios da região mais conturbada do planeta sem conhecer o Líbano. Por isso, em tempos de quarentena e na semana em que o país volta a ser alvo de uma catástrofe, separei alguns livros que me ajudaram a compreender a nação, antiga Fenícia, e sua história. Boa leitura!
"Pobre Nação - As Guerras do Líbano no Século XX" - Robert Fisk é um dos jornalista que mais conhece o Líbano e o Oriente Médio. O livro do repórter do Times é uma combinação de reportagem de guerra e análise, com foco na invasão israelense no começo dos anos 1980.
"Valsa com Bashir" - De Ari Folman e David Polnsky. Em quadrinhos, a narrativa conta um dos episódios mais infames da história do Líbano: o massacre de refugiados Sabra e Chatila, por membros da milícia falangista libanesa (cristãos), em 1982. Ari Folman, um dos autores, era um dos soldados israelenses que participava da guerra. O massacre correu em uma área controlada pelas forças de Israel.
"De Beirute a Jerusalém" - Aqui, outro grande jornalista especializado em Oriente Médio, Thomas Friedman, do The New York Times. Este livro levei comigo durante a cobertura de 2006. Conta a jornada do correspondente entre os dois mundos (árabe e israelense) e sua compreensão dos acontecimentos e das pessoas que encontrou no caminho. "É estranha, divertida, por vezes violenta e sempre imprevisível essa estrada de Beirute a Jerusalém, que de vária smaneiras tenho percorrido durante toda a minha vida adulta", diz o autor, na apresentação.
"Beirut" - Uma das características que fazem a capital do Líbano tão atraente é sua história é o mix cultural de uma cidade que está na encruzilhada da civilização mediterrânea há 4 mil anos. Este livro do jornalista libanês e professor de História Samir Kassir é o último antes de sua morte, na explosão de um carro bomba 2005. A obra nos leva a uma viagem pela história da região, desde o mundo antigo, passando por romanos, árabes, otomanos, fraceses e as diferentes destruições e reconstruções de Beirute. Vale cada palavra.
"A History of Modern Lebanon" – Fawaz Traboulsi é um autor polêmico. Foi líder de guerrilhas de esquerda durante a guerra civil libanesa. Como acadêmico, tornou-se um homem de centro, buscando uma posição mais imparcial. É um dos principais estudiosos libaneses. Também busca fazer um resgate histórico do território, do Líbano otomano no século 16 até o desenvolvimento da nação no século 20 e os conflitos dos anos 1970 e 1980. É tido como autor fundamental para entender o país.
Para dar um toque de poesia, claro, não poderia deixar de indicar o escritor Khalil Gibran, autor de "O Profeta".