Há duas maneiras de ver a visita de Emmanuel Macron ao Líbano, nesta quinta-feira (6), menos de 72 horas depois da tragédia no porto de Beirute, que matou mais de 140 pessoas e feriu milhares.
A primeira é meritória: o Líbano necessita urgentemente da solidariedade internacional e de cooperação depois da grande explosão que destruiu parte da capital. Enquanto outros líderes globais ficaram, até agora, apenas na promessa de ajuda a nação do Oriente Médio, o presidente francês foi lá, pisou no terreno e se propôs a ser o articulador do apoio internacional. O Líbano precisa de profissionais de saúde, comida, medicamentos e equipes especializadas em busca e salvamento, uma vez que ainda pode haver pessoas vivas sob os escombros.
A outra maneira de olhar para a visita de Macron é com cautela. As imagens do presidente francês caminhando por Beirute remontam ao passado colonial do país do Oriente Médio e à relação subserviente da região sob mandato francês, acertado no acordo secreto de Sykes-Picot que dividiu a facão o Oriente Médio. A conotação imperialista ficou ainda mais clara nas entrelinhas das declarações do presidente, que exigiu "reformas indispensáveis em certos setores" libaneses.
- Vejo a emoção nos rostos de vocês, a tristeza, a dor. É por isso que estou aqui. Mas o que também é necessário aqui é uma mudança política. Essa explosão deve ser o início de uma nova era - disse Macron, diante de um grupo de pessoas que acompanhava sua visita e que gritavam "revolução" e "queda do regime".
Parte dos problemas libaneses deriva da corrupção de seus líderes políticos, mas condicionar ajuda a mudanças políticas traz à memória as piores lembranças do imperialismo europeu. O Líbano afunda na crise por culpa de disputas entre facções cristãs e muçulmanas xiitas e sunitas, mas também estas são efeito colateral das ações intervencionistas do Ocidente - inclusive da França.
O Líbano é uma nação soberana.
Antes de a pandemia de coronavírus chegar, o país era sacudido por protestos da população contra as castas que dominam o governo - versão libanesa das revoltas por maior igualdade social em várias nações do globo, inclusive na América Latina. A pressão seguia o curso normal de um país com problemas internos graves, mas que os resolve dentro do sistema democrático _ aliás o Líbano é um dos poucos países democráticos entre as nações árabes. As mudanças, se ocorrerem, devem surgir de dentro para fora e por decisão autônoma da sociedade libanesa. Iraque, Afeganistão e Síria estão aí para lembrar o que ocorre quando o movimento é feito no sentido contrário.