Maradona encarnava a glória e a decadência a que estão acostumados nossos hermanos argentinos. Egocêntrico, por vezes debochado, ele elevava seus conterrâneos aos céus com seu sucesso. Demasiado humano, quando caía, carregava consigo a nação.
Vivo, significava o resquício do orgulho de um país que já quase não consegue se lembrar de sua idade de ouro, em que Buenos Aires era comparada às capitais europeias. Morto, Diego Armando já ocupa o altar onde estão Juan Domingo Perón, Evita e Carlos Gardel.
Com "la mano de Diós", ele levou a Argentina a conquistar o Mundial no México em uma vitória dentro das quatro linhas, mas que tinha um significado político maior: a vingança em relação à Inglaterra pela derrota da Guerra das Malvinas, algo nunca engolido pelos argentinos, sejam eles de direita ou de esquerda.
Desde que deixou o futebol, Maradona representava a queda vertiginosa da Argentina. Seu drama pessoal concorria em paralelo com a degradação econômica do país e de sua população. Dos tempos da paridade artificial do dólar e do peso, no governo neoliberal de Carlos Menem, sobrou a conta amarga de quase 20 anos em que nem a esquerda nem a direita, de volta ao poder com Mauricio Macri, conseguiram saldar.
Em 2001, auge da crise, a Argentina chegou a ter cinco presidentes em 12 dias – um deles, Fernando de la Rúa foi posto para correr de helicóptero da Casa Rosada. Eduardo Duhalde, a quem Maradona comparava a uma "tortuga" (tartaruga) equilibrou um pouco as coisas, e abriu caminho para a volta de algo tão imortal quanto Perón, Evita, Gardel e, agora, Maradona: o peronismo.
Néstor e Cristina Kirchner administraram o país por 12 anos com um estilo populista e corporativista: utilizaram-se do grande apelo popular, com o culto a personalidades e medidas de distribuição de renda, que deram ao povo a impressão de que estavam enriquecendo. Ao mesmo tempo, separou a sociedade em grupos sociais e lidava com eles por meio de compra e venda de privilégios em troca de apoio político.
O casal K comprou brigas que elevaram a Argentina às manchetes internacionais, como o maior calote da dívida externa. Surfou, como todos os regimes de latino-americanos, no boom das commodities. Já em 2003, o PIB registrou crescimento, revertendo uma queda de mais de 10% no ano anterior. Às custas da corrupção.
Era um hiato. Logo, viria Macri e, quatro anos depois o retorno ao kirchnerismo, com Alberto Fernández e Cristina. Hoje, o país amarga a pobreza, que passou de 35,5% para 40,9% desde o início da pandemia. O PIB teve colapso trimestral recorde de 19,1%.
Como um Maradona, este é em um triste epílogo da história do país.
Maradona é Argentina. Neste 25 de novembro de 2020, o país morre mais um pouco.