Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) não é governo. Mas seu sobrenome e o cargo que ocupa na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados dão caráter de Estado a suas afirmações.
A mais recente rusga com um parceiro comercial brasileiro se deu por conta de uma postagem do deputado, que não se conteve apenas em comemorar o apoio do Planalto ao programa americano Clean Network, que pretende proteger os países participantes de invasões e violações a informações particulares, mas tratou de fustigar o regime comunista chinês, lançando suspeitas de espionagem.
Fosse qualquer outro deputado, o tuite entraria para pelo ralo do esquecimento das redes sociais. Mas, quando a China lê uma postagem do deputado e filho do presidente, entende que sua opinião é também compartilhada pelo governo brasileiro. Suas mensagens adquirem posição de Estado.
"Tais declarações infundadas não são condignas com o cargo de presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. Prestam-se a seguir os ditames dos EUA no uso abusivo do conceito de segurança nacional para caluniar a China e cercear as atividades de empresas chinesas", reagiu a embaixada chinesa, que falou, pela primeira vez mais grosso, admitindo "consequências graves".
No campo da diplomacia, subidas de tom são comuns e raramente se consolidam como ameaças concretas. Mas, em se tratando dos principais compradores de produtos brasileiros - 33% de nossas exportações -, caberia ao menos algum sinal do Itamaraty ou da Presidência de que o deputado fala por si só e que seu pensamento não representa o entendimento do Brasil.
Essa declaração não virá justamente porque seu pensamento é, de fato, compartilhado por boa parte do governo - aliás, a mesma fatia que não permitiu até o momento que o Brasil reconhecesse a derrota de Donald Trump nos Estados Unidos e parabenizasse Joe Biden, nos colocando lado a lado com Vladimir Putin, da Rússia.
O grupo ideológico que orbita o entorno do presidente Jair Bolsonaro - que conta com, além de Eduardo, o chanceler Ernesto Araújo e o assessor presidencial Filipe Martins, é especialista em dinamitar pontes - em especial com parceiros comerciais ou historicamente estratégicos. Foi assim com o mundo islâmico, importantes compradores de carne halal brasileira, quando, para seguir os passos da Casa Branca, o Brasil chegou a anunciar a transferência da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém (e depois recuou). É assim com a Argentina, principal parceiro comercial e estratégico na América do Sul, mas que sob Bolsonaro e Alberto Fernández, a relação vive o maior afastamento em três décadas.
Agora que o futuro governo Joe Biden começa a ganhar forma, não é difícil imaginar o pior dos cenários: o Brasil dinamitar laços com os Estados Unidos, segundo maior parceiro econômico, em respeito a uma fidelidade cega até este momento com Trump.