A apenas 29 minutos de se tornar a mais longa reunião de chefes de governo da União Europeia (UE), a cúpula de Bruxelas passará à história como um daqueles momentos emblemáticos em que boa parte do mundo se encontra em um determinado ponto da Europa para pensar uma nova ordem internacional.
Pandemia não é uma guerra, portanto, as 89 horas e 31 minutos de reunião que culminaram na arquitetura econômica da reconstrução (o NGEU, Nova Geração) não têm o mesmo peso dos tratados de Paris (1815), Versalhes (1919) ou Yalta (1945). Mas não é pouco o que foi acertado nos quatro dias da conferência.
O orçamento de sete anos, de 1,8 trilhões de euros (R$ 11 trilhões), comporta o pacote de 750 bilhões de euros (R$ 4,6 tri) para a retomada das nações mais atingidas pelo coronavírus. Com as cifras gerais, a maior parte dos líderes concordava. O ponto de discórdia das negociações que levaram quatro dias era o arranjo.
Os países chamados "frugais", ricos e conservadores do ponto de vista dos gastos domésticos, se opuseram a conceder 500 bilhões de euros a fundo perdido e estabeleceram 375 bi como teto. Espanha e Itália não queriam ficar abaixo de 400 bi. Ao final, a conta fechou da seguinte forma: 390 bilhões de euros serão doações às nações mais atingidas pela covid-19 e os restantes 360 bilhões poderão ser obtidos por meio de empréstimos a juro baixo.
Teve soco na mesa (literalmente, do presidente francês, Emmanuel Macron), debates acalorados, gente indignada saindo da sala (o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte), mas, ao final, o recado que entrará para os livros de História é o seguinte: a União Europeia sai de sua prior tragédia desde a Segunda Guerra Mundial com um Plano Marshall erigido por suas próprias forças, sem o engajamento dos Estados Unidos.
Pela primeira vez, a Comissão Europeia, órgão executivo do bloco, assumirá, em nome dos 27 membros, o papel de fiador do empréstimo que será retirado junto ao mercado internacional e deverá ser devolvido em 30 anos a partir de 2028. Fragilizada pela saída do Reino Unido, em 31 de janeiro, a União Europeia deu uma forte demonstração de unidade e, em um mundo onde falta diálogo, mostrou a importância das relações multilaterais: recuou na meta da doação para agradar aos frugais (Suécia, Dinamarca, Áustria e Holanda, com apoio da Finlândia), que não queriam pagar a conta do descontrole daqueles que mais sofreram, Itália e Espanha, com fama de maus pagadores. E desarmou o discurso de populistas: um não acordo, a falta de solidariedade para socorrer os vizinhos quando eles mais precisaram alimentaria movimentos como o Italexit (a saída da Itália do bloco) e de eurocéticos (com toques de antidemocráticos) de Hungria e Polônia.
Macron e Angela Merkel, condutores atuais do sonho europeu, saem vitoriosos. Os frugais deixam o terraço do edifício do Conselho Europeu como egoístas e mesquinhos. O primeiro-ministro holandês vira símbolo da resistência liberal linha-dura. Os populistas de Polônia e Hungria entram na mira por seu viés antidemocrático. E os integrantes do Clube Med, Portugal, Espanha e Itália, tomam os aviões de volta para casa aliviados. Ao fim, a União Europeia está viva.