Quando os manifestantes de Hong Kong decidiram pegar em guarda-chuvas no ano passado para protestar, eles miravam impedir uma mudança na lei que a China pretendia aplicar. Grosso modo, para determinados crimes, os suspeitos seriam julgados em território chinês, por juízes chineses e submetidos ao rigor - e por vezes sem garantias de preservação de direitos humanos - da lei chinesa. A resposta de Pequim, de lá para cá, foi tão avassaladora que, hoje, esta mudança seria o menor dos problemas.
A nova Lei de Segurança Nacional, promulgada na terça-feira (30) pelo presidente chinês, Xi Jinping, e, a toque de caixa, já implementada no mesmo dia, na prática, significa o início da retomada do território semi-autônomo, que, por décadas, foi um enclave capitalista nas barbas do dragão chinês. Hong Kong se tornou independente do Império Britânico em 1997, quando foi devolvido à China sob a condição de que fosse mantido o status especial da península até 2047. Sob esse estranho arranjo batizado de “um país, dois sistemas”, um naco de terra sob regras capitalistas sobreviveu por mais de 20 anos pertencendo à China comunista. Quem viaja a Hong Kong tem a impressão de estar em qualquer país ocidental, com democracia, direitos de manifestação popular e internet sem restrições ou monitoramento. Mas o plano chinês, que embora se aproveite economicamente do modelo de Hong Kong, é aos poucos garantir que, a médio prazo (ou, depois de 2047), o território terá mais características chinesas do que ocidentais. Por isso, colocou em movimento suas forças armadas e pressão política para neutralizar qualquer chama de autonomia que possa ser acesa.
A nova lei atinge em cheio as manifestações, porque torna crime de subversão e secessão protestos e táticas utilizadas pelos manifestantes. Vandalismo contra prédios públicos (leia-se pichação) será punido com prisão perpétua. Sabotagem contra o transporte público (entenda-se ocupação do aeroporto em protestos pacíficos) será considerado terrorismo. Conluio entre cidadãos de Hong Kong e estrangeiros (leia-se financiamento de organizações da sociedade civil por fundações ocidentais) pode dar cadeia - inclusive para quem é de fora do país.
Os organizadores dos protestos até prometem voltar às ruas, mas, sem disparar um tiro sequer, ao que tudo indica Pequim conseguiu, pelos mecanismos políticos autoritários particulares do Partido Comunista, sufocar a Primavera de Hong Kong.