Um dos maiores anunciantes dos Estados Unidos - e do mundo -, a Unilever informou nesta sexta-feira (26) que não comprará mais espaços publicitários no Facebook e no Twitter por não concordar com as políticas dessas empresas de tecnologia sobre moderação de conteúdo.
A decisão vale, pelo menos, até o fim do ano.
O anúncio é uma forma de protesto contra as plataformas digitais, que não fazem, na visão da Unilever, o suficiente para remover conteúdos tóxicos, como discursos de ódio e fake news (notícias falsas).
A Unilever é dona de marcas populares globais como OMO, Brilhante, Hellmann e Dove.
A companhia se junta a outras gigantes que têm aderido ao boicote às empresas Facebook, Twitter e Instagram (que pertence ao Facebook). Verizon, Patagonia, The North Face e REI anunciaram decisões semelhantes nas últimas semanas.
"Dada a nossa estrutura de responsabilidade e a atmosfera polarizada nos Estados Unidos, decidimos que, a partir de agora, pelo menos até o final do ano, não exibiremos publicidade de marca nas plataformas de feed de notícias de mídia social Facebook, Instagram e Twitter nos Estados Unidos", afirmou a Unilever, segundo o jornal The Wall Street Journal.
A empresa entende que "continuar anunciando nessas plataformas no momento não agregaria valor às pessoas e à sociedade". Luis Di Como, vice-presidente executivo da Unilever, afirmou:
- Com base na polarização social atual e nas eleições que estamos realizando nos EUA, é preciso que haja mais fiscalização na área do discurso de ódio.
A companhia é a segunda maior anunciante nos Estados Unidos. Em 2019, a empresa investiu US$ 42,3 milhões em publicidade apenas no Facebook.
A pressão se intensificou no começo da semana, quando o movimento Stop Hate for Profit (Pare de dar lucro ao ódio), iniciativa da sociedade civil americana, passou a pedir que empresas deixassem de anunciar no Facebook durante o mês de julho. A campanha foi criada por grupos americanos, entre eles a Liga Antidifamação e NAACP, que exigem que o Facebook seja menos complacente com mensagens de ódio.
Em uma carta a vários anunciantes, na quinta-feira (25), a Liga Antidifamação disse que o Facebook se recusou repetidamente a remover anúncios políticos que continham "mentiras flagrantes" e demorou a responder a pedidos de retirada de conteúdo conspiratório. Segundo The Wall Street Journal, o Facebook chegou a reunir seus executivos para tratar sobre as reclamações, depois de perceber a tendência crescente entre as marcas, mas decidiu não alterar radicalmente a maneira como seus conteúdos são expostos na rede: "Não fazemos alterações nas políticas ligadas à pressão da receita", disse Carolyn Everson, vice-presidente do Global Business Group no Facebook, em um e-mail a anunciantes no fim de semana passado, que foi acessado pelo jornal americano. "Definimos nossas políticas com base em princípios e não em interesses comerciais".
A principal motivação das empresas que estão aderindo ao boicote é, além de protestar contra os conteúdos permitidos na rede social, desvincular suas imagens do Facebook em um momento conturbado de apoio e permissão a discursos frequentemente associados negativamente à luta contra direitos civis. O Facebook tem sido alvo de críticas desde que optou por manter um texto publicado pelo presidente Donald Trump no ar, onde ele incitava a violência contra manifestantes do movimento Black Lives Matter, que ocorreu depois do assassinato de George Floyd. Na época, Zuckerber afirmou que não era papel da empresa agir como "árbitro da verdade" e chegou a receber cartas de desaprovação de funcionários de alto escalão.
Segundo Rodrigo Zingales, advogado e especialista em direito da concorrência, a decisão levanta a necessidade de o Estado regular a atuação das gigantes da internet.
- Tudo isso está associado a um problema de regulamentação e controle sobre a informação. Essas decisões estão sendo levantadas pelas matrizes americanas. Vejo uma campanha nos Estados Unidos para começar a pensar sobre a 5ª emenda (da Constituição), tem de ter pesos e contrapesos. E estado precisa começar a intervir, porque, se não o fizer, a gente vai estar a mercê dos grandes grupos de internet - afirma o especialista.
Zingales destaca que regiões como a União Europeia (UE) impôs restrições à atuação das plataformas para garantir proteção à privacidade e de dados pessoais dos cidadãos, como a GDPR (General Data Protection Regulation, Regulamento Geral de Proteção de Dados). O Brasil tem a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que regula as atividades de tratamento de dados pessoais e que alterou os artigos 7º e 16º do Marco Civil da Internet.
- Os EUA não têm nenhum tipo de legislação nesse sentido - pondera Zingales.
Não é de hoje que empresas observam com preocupação sua reputação nas redes sociais, como a comandada por Mark Zuckerberg. No epicentro do debate estão questões éticas. Em geral, quando questionadas, as empresas de tecnologia costumam dizer que não têm responsabilidade por conteúdos tóxicos ou mentirosos, como as fake news. Afinal, são os indivíduos que os publicam. Facebook e outras plataformas costumam dizer que servem apenas como canais de distribuição. A omissão contudo, já está custando dinheiro. A própria Unilever, em 2018, já havia ameaçado deixar de investir nas plataformas por entender que não estariam fazendo o suficiente para policiar conteúdos extremistas e ilegais.
Facebook e Google também são alvo de investigações nos Estados Unidos por suas políticas de uso de dados pessoais, apropriação de conteúdo alheiro e concorrência desleal.
Em resposta aos boicotes, Zuckerberg postou um comunicado, em sua página no Facebook, dizendo que a rede social age rapidamente para impedir e retirar mensagens de ódio que possam aparecer.: Acreditamentos que existe um interesse público em permitir uma ampla gama de livre expressão nas postagens do que nos anúncios pagos. Já restringimos certos tipos de conteúdo em anúncios permitidos em postagens regulares, mas queremos fazer mais para proibir o tipo de linguagem divisiva e inflamatória usada para semear a discórdia", afirmou, destacando que estaria proibindo uma nova categoria de publicações com mensagens de ódio, principalmente as relacionadas a alegações de violência e segurança por parte de grupos étnicos e religiosos.