O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, adora tuitar. Seus assessores costumam dizer que, antes mesmo de sair da cama, ele já está publicando mensagens na rede social - por meio da qual costuma se comunicar diretamente com o público.
Tanto que os principais veículos de comunicação de Washington mudaram sua forma de cobrir a Casa Branca durante o mandato do republicano: antecipando jornadas e prestando às vezes mais atenção aos tuítes do presidente do que às coletivas de secretários - que, não raro, emitem mensagens contraditórias.
Esta semana, no entanto, Trump e sua rede social favorita entraram em choque. Tudo começou na terça-feira (26), quando o presidente escreveu uma mensagem pela manhã afirmando que cédulas por correio resultariam em “eleições fraudadas” em novembro. O método de votação é utilizado em vários Estados americanos.
“O governador da Califórnia está enviando formulários de votação para milhões de pessoas que moram no Estado, independentemente de quem elas sejam ou de como foram parar ali”, escreveu Trump. Na sequência, acrescentou: “Muitas delas nunca consideraram votar antes (…). Esta será uma eleição fraudada. De jeito nenhum”.
O Twitter, que durante a pandemia de coronavírus vem adotando uma política mais dura de combater à desinformação, decidiu rotular as duas mensagens de Trump como falsas. A notificação - um ponto de exclamação azul - orienta os usuários a “obterem informações sobre as cédulas por correio” e os direciona a uma página com notícias e artigos de checagem de fatos sobre as afirmações do presidente. Foi a primeira vez que a empresa usou o selo em uma mensagem de Trump - a rede social apagou postagens do presidente Jair Bolsonaro e do líder venezuelano Nicolás Maduro no passado por considerá-las violação das regras de uso e por entender que colocavam pessoas em maior risco de infecção por coronavírus.
Trump usou a própria rede social para reclamar. Como não reconhece o trabalho profissional e independente de checagem de veículos de comunicação, como CNN e The Washington Post, ele desconsiderou, na mensagem, o selo de fake news aplicado pelo Twitter. E, como de costume, usou a expressão da qual é acusado contra as empresas jornalísticas. Disse Trump:
“O Twitter agora está interferindo nas eleições presidenciais de 2020. Eles estão dizendo que minha declaração sobre as cédulas por correio, que levará a corrupção e a fraude maciças, está incorreta, com base na verificação de fatos da Fake News CNN e do Amazon Washington Post”. Em outro tuíte, disse: “O Twitter está reprimindo A LIBERDADE DE EXPRESSÃO, e eu, como presidente, não permitirei que isso aconteça!”.
Trump decidiu passar da retórica à ação. Assinou uma ordem executiva (que nos EUA é semelhante a um decreto), questionando a Lei de Decência nas Comunicações. A seção 230 dessa legislação protege as plataformas de redes sociais em relação ao conteúdo publicado pelos usuários - ou seja, hoje, empresas como Twitter, Google e Facebook não são responsabilizadas por textos, fotos e vídeos que os internautas publicam, diferentemente de veículos de comunicação, por exemplo.
Ao tomar uma medida autoritária,o republicano usou como argumento a defesa da liberdade de expressão.
- Estamos aqui hoje para defender a liberdade de expressão de um dos maiores perigos. Quando grandes e poderosas empresas de mídia social censuram opiniões com as quais discordam, exercem um poder perigoso - disse a repórteres antes de assinar o documento.
Na verdade, Trump está se utilizando da expressão "liberdade de expressão" para, por decreto, neutralizar uma lei como forma de se vingar da empresa Twitter.
O que ocorre agora? Na prática, o Departamento de Comércio pedirá à Comissão Federal de Comunicações que estabeleça novas regras para as plataformas.
Nesta sexta-feira (30), em meio aos protestos em Minneapolis em razão da morte de um homem negro por um policial branco, Trump tuitou: “Esses bandidos estão desonrando a memória de George Floyd, e eu não deixarei isso acontecer. Acabei de falar com o governador Tim Waltz e lhe disse que o Exército está com ele. Qualquer dificuldade e nós assumiremos o controle, mas, quando o saque começar, o tiroteio começará. Obrigado!”.
O Twitter voltou a acrescentar um alerta na mensagem de Trump. Desta vez, por “enaltecer a violência”. Diz o texto: “Este Tweet violou as Regras do Twitter sobre enaltecimento à violência. No entanto, o Twitter determinou que pode ser do interesse público que esse Tweet continue acessível”.
Trump diz que o Twitter censura seus posts. O que não é verdade - a empresa não retirou as postagens, mas sinalizou que a primeira mensagem não era verdadeira e que a segunda violação de suas regras.
Por outro lado, críticos de Trump dizem que o decreto do presidente é uma medida autoritária, que viola a liberdade de expressão garantida pela famosa Primeira Emenda da Constituição.
A briga ocorre no momento em que o comportamento predatório de gigantes como Twitter, Google e Facebook está sob escrutínio de autoridades. As empresas são questionadas por suas políticas de uso de dados pessoas, falta de controle dos discursos de ódio, apropriação de conteúdo alheio, fake news e práticas desleais de concorrência. Desde que passaram a ser investigadas por órgãos de controle nos EUA, essas empresas implementaram algumas políticas internas de controle. Mas ainda não são suficientes e pairam várias suspeitas sobre os seus modos de operação. Um dos problemas nos Estados Unidos - também no Brasil - está ligado a como essas plataformas se apresentam na descrição da atividade econômica. Elas se dizem empresas de tecnologia - logo, não teriam responsabilidade pelo que os usuários publicam. Porém, na prática, elas atuam cada vez mais como veículos de comunicação - uma vez que produzem e transmitem também conteúdos.
Não há mocinhos nessa briga. Trump erra ao, por decreto, tentar uma mudança na legislação, atacando a liberdade de expressão e abusando do poder. Mas Twitter e as outras plataformas também não são inocentes.