Guayaquil, no Equador, vive o colapso do sistema funerário em função do número de mortos nos últimos dias - boa parte em razão do coronavírus. Relatos em redes sociais e na mídia equatoriana dão conta de que a metrópole de 3 milhões de habitantes amanheceu com cadáveres nas ruas.
Chefe de Redação digital do jornal El Universo, Fernando Astudillo, 45 anos, relatou à coluna como está a situação nesta quinta-feira (2).
Qual a realidade das ruas de Guayaquil?
Guayaquil está vivendo um pesadelo. Um filme de terror. É algo que está provocando muita dor. Parece que não se vê a magnitude do que realmente está acontecendo. Guayaquil, cidade onde vivo, é a mais impactada pela doença. Tanto que já se diz que, nessa zona, há mais casos de coronavírus do que em países inteiros. Chegamos a um nível de colapso nas ruas, no sistema de translado de cadáveres. Há dois, três dias, foi a situação mais lamentável, quando a cidade amanheceu com cadáveres nas ruas, porque não havia a possibilidade de retirá-los. O serviço de funerárias não está trabalhando em tempo integral. E, em algumas, os funcionários não queriam seguir trabalhando, então não podiam com a demanda. Estamos falando de 150 mortos diários nesse momento. Obviamente, nem todos de covid-19.
Você testemunhou corpos pelas ruas?
Não, há muitos poucos jornalistas fazendo trabalho na rua, são mais os de televisão. Eles estão fazendo um esforço impressionante. A decisão de alguns jornais foi de trabalhar de casa. Estamos muito limitados, no ambiente digital conseguimos fazer algumas coisas, mas evidentemente há uma dificuldade em conseguir ver o que está acontecendo. Dependemos de informações que, às vezes, podem não ser tão corretas. Também é preciso levar em conta que, no El Universo, temos um relatório de inteligência segundo o qual se fala da manipulação de informações em redes sociais, boa quantidade de adeptos ao "correismo" (seguidores do ex-presidente Rafael Correa, opositor do atual, Lenín Moreno), exilados, que estão mobilizando informações falsas para desprestigiar o atual governo. Mas que está claro é que os cadáveres são reais, as pessoas morrem, familiares morrem, parentes de companheiros de trabalho morrem, companheiros de trabalho morrem. Então, sabemos.
Foi a paralisação das funerárias ou uma soma de fatores que levou ao colapso do sistema?
Nada é único em um processo tão gigantesco como esse que estamos vivendo. É toda uma soma de fatores que gera um colapso. Se tem um toque de recolher, que faz com que as pessoas não possam se movimentar a partir das 14h, significa que há menos funerárias que possam atender em tempo hábil e que possa fazer seu trabalho de retirada de cadáver. Se há impossibilidade de se movimentar, isso diminui a capacidade de reação frente a esse tema. Some-se a isso o medo dos empregados das funerárias, o ineditismo do assunto, a magnitude do assunto. Há um problema de cidade, de país.
O governo fez uma força-tarefa para a retirada. A situação melhorou?
O governo criou uma força-tarefa para a retirada de cadáveres e, nos dois últimos dias, melhorou o processo. Então, há uma maior rapidez para a retirada nessas últimas 24 horas.
O que faltou no planejamento por parte do governo diante de uma crise que se sabia que chegaria?
Evidentemente, há muita dor e coragem entre os equatorianos nesse momento. Creio que o governo poderia ter se preparado melhor, como todos. Mas estamos vendo que essa crise é global, que atingiu potências mundiais, que colocou os EUA de joelhos. Um país que não é desenhado para paralisar, seu próprio presidente estava cético, teve de dizer que tinha de paralisar. Se a primeira economia do mundo está golpeada, se diz que não há respiradores em alguns casos ou que os hospitais estão em colapso, é obvio que nossos países vão ter problemas. Evidentemente, temos ineficiências, uma incapacidade de desenvolver testes para coronavírus, por exemplo. Não se pode fazer os exames porque faltam kits. Nesse aspecto, há uma crítica: devíamos ter uma prevenção maior para a logística necessária para mais testes.
O que acredita que vai acontecer no país nos próximos dias?
Hoje, o presidente anunciou que espera que o número de mortos chegue a 2,5 mil só na província de Guaya, onde está Guayaquil. Há uma decisão tomada de que medidas drásticas vão continuar até maio. O presidente acaba de anunciar que os eventos massivos permanecem proibidos até maio. As aulas estão suspensas em abril. O nosso trabalho segue a partir de casa até nova ordem. Creio que, no momento em que isso acabar, que governo e autoridades de saúde conseguirem controlar a curva de casos, veremos uma mudança significativa no Equador, sobretudo no impacto econômico disso. A economia equatoriana já estava golpeada e evidentemente vai estar mais golpeada. A vida vai mudar, como acredito que vai mudar para toda a humanidade. Todavia, não dimensionamos como humanidade ainda o impacto real e global que essa pandemia vai ter em nossas vidas. Em três semanas mudou a maneira como vivemos. É muito intenso o que está acontecendo. Vamos levar tempo para dimensionar a mudança monumental que isso tudo vai significar no estilo de vida de cada um de nossos países.