Evo Morales não quis acabar como Nicolás Maduro, moribundo líder de um país que se esfacela a olhos vistos. Desde antes do início da crise na Bolívia, o líder cocaleiro alçado à presidência em 2005 com índices de votação na estratosfera havia marcado distanciamento do vizinho do Norte — flexibilizara a retórica belicosa dos bolivarianos, fora o único presidente de esquerda presente na posse de Jair Bolsonaro, em janeiro, e, quando as suspeitas começaram a pairar sobre a eleição do dia 20 de outubro, pediu imediatamente à Organização dos Estados Americanos (OEA) uma investigação externa.
Neste domingo (10), quando a entidade internacional antecipou o resultado de sua análise, pronunciando-se sobre as suspeitas de fraude, Evo convocou novas eleições. Seguiu, assim, a cartilha de bom moço, segundo os regimes internacionais — mais uma vez distanciando-se de Maduro. Mas já era tarde. Um a um, seus ministros, prefeitos e governadores aliados foram renunciando. No capítulo final, teve a dignidade de sair. Caiu, assim, o mais fiel seguidor do bolivarianismo fora da Venezuela.
No poder, é fato que Evo fez uma revolução econômica. Como em outras nações sul-americanas, o milagre boliviano responde pelo boom de commodities que sustentou o crescimento do país até a crise de 2008 e patrocinou a melhora das condições de vida dos bolivianos. No caso da Bolívia, entretanto, esse crescimento continuou mesmo depois da queda nos preços dos produtos exportáveis, graças aos gastos do Estado. No entanto, o viés autoritário do presidente, acusado de governar com o capitalismo para os amigos, e com o socialismo para os adversários - aliado ao desgaste natural do poder -, fez a Bolívia explodir em protestos das últimas semanas.
As revoltas no Chile já mostraram que apenas bons números da economia _ previsão de 4% em 2019, segundo o FMI, o maior da América Latina - não garantem a manutenção no poder. Evo faz a Bolívia crescer? Sim. Mas também foi um líder que flertou com o autoritarismo e se deixou seduzir pelo gosto pelo poder: comandava um governo apinhado de suspeitas de corrupção, desconheceu o resultado de um referendo no qual a população disse "não" a sua re-reeleição e, aí sim como Chávez e Maduro, tentou se agarrar à cadeira presidencial.
A derrocada de Evo confirma o poder ainda hoje exercido pelos quartéis na Bolívia _ e em boa parte da América Latina _, dando munição à narrativa dos defensores do governo de que um golpe de Estado se fez presente no domingo 10 de novembro. Os fatos subsequentes dirão: de antemão, já há um vácuo governamental. A Constituição diz que, na saída do presidente, o cargo cabe ao vice. Mas este também renunciou. Então, deveriam assumir os presidentes do Senado e, na sequência, o da Câmara, que também saíram. Resta o presidente da Suprema Corte.
O primeiro reflexo da saída de Evo Morales em uma América Latina em convulsão social será no sábado (16), quando a oposição na Venezuela promete o maior protesto contra Maduro até agora.