Ainda que Evo Morales tenha moderado o discurso nos últimos anos — foi, por exemplo, o único único herdeiro do bolivarianismo presente na posse de Jair Bolsonaro, em janeiro —, não se engane: o líder boliviano é da mesma escola de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Irá agarrar-se ao Palácio Quemado como puder, mesmo que isso represente sangue nas ruas. Desde o início dos protestos deflagrados pela sua re-reeleição apinhada de suspeitas de fraude, duas pessoas morreram e pelo menos 140 ficaram feridas em manifestações.
Na Bolívia, que até 1982 sofrera revoltas e ditaduras militares, um golpe de Estado tradicional, com quartéis amotinados e blindados nas ruas, é uma ameaça sempre presente. Mas tornou-se ainda mais provável depois que um líder político local, Luis Fernando Camacho, chefe de uma poderosa entidade civil na rica região de Santa Cruz, apelou aos militares por intervenção.
Não é de hoje que a Constituição está rasgada para servir aos interesses de Evo. Herdeiro do chavismo, o presidente seguiu a cartilha bolivariana cuja cláusula pétrea é a tentativa de perpetuação no poder.
Evo venceu as eleições em 2005 com popularidade na estratosfera. Pela primeira vez, um indígena chegava ao poder pelo voto popular com uma margem considerável sobre o segundo postulante. Como Chávez fizera na Venezuela, Evo mudou a Constituição da Bolívia. Isso criou a possibilidade de reeleição presidencial para dois mandatos consecutivos de cinco anos cada, o que permitiu que ele concorresse em 2010 e 2014. Em 2019, não poderia concorrer de novo. Mas o que fez? Emulando novamente o falecido padrinho venezuelano, achou subterfúgios. Resolveu que o povo iria decidir se ele poderia ou não se candidatar. No referendo, em 2016, a maioria da população disse não. E Evo? Saiu pela tangente: apelou ao Tribunal Constitucional da Bolívia com o argumento de teria um "direito humano" violado caso não pudesse competir.
Não era preciso esperar o domingo de eleição, 20 de outubro, para antever que o altiplano explodiria. Urnas abertas, a Justiça eleitoral decidiu mudar o método de apuração — ou seja, a regra do jogo no meio da disputa. A Bolívia e a América Latina foram dormir com indicativo de segundo turno e acordaram com Evo vencedor no primeiro – entronado para mais cinco anos. O governo brasileiro, por enquanto, não reconhece a eleição.
Evo assemelha-se a Maduro. Mas Camacho não é Juan Guaidó, que em 23 de janeiro se autoproclamou presidente da Venezuela – imediatamente obtendo reconhecimento de Estados Unidos, Colômbia e Brasil. Guaidó era presidente da Assembleia Nacional, o parlamento que Maduro não admite. Camacho é um líder com poderes locais, ainda que esteja à frente de uma entidade com articulação nacional, o Comitê Cívico de Santa Cruz.
A Bolívia não é a Venezuela – para 2019, o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê crescimento de 3,9% do PIB, mais do que Chile, Peru, Argentina e Brasil, enquanto o vizinho do norte está falido economicamente. Mas, assim como no caso de Maduro, o futuro de Evo depende do humor da caserna. As forças armadas serão o fiel da balança. Com o apoio dos quartéis, Evo fica. Caso contrário, não dura até o fim da semana.