Não é só na América do Sul que protestos tomaram as ruas nas últimas semanas. Enquanto os olhos do noticiário internacional estavam voltados para o lado de cá do hemisfério — com lupa em Equador, Bolívia, Chile, e eleições em Argentina e Uruguai —, mobilizações populares varriam Líbano e Iraque, no Oriente Médio. Basta olhar no detalhe para as ruas de Beirute e Bagdá para encontrar semelhanças entre a insurreições árabes e as que sacudiram as capitais sul-americanas nesta primavera de 2019.
Lá, como aqui, o estopim de cada crise é diferente _ no Líbano, a motivação dos protesto foi um polêmico imposto que o governo queria impor sobre ligações feitas pelo WhatsApp. No Iraque, os manifestantes querem acabar com o complicado sistema de distribuição de cargos no governo por confissão religiosa ou grupo étnico.
Também lá, como aqui, as revoltas "não é só pelos R$ 0,20" — valor equivalente ao aumento em pesos chilenos da tarifa do metrô de Santiago, suspenso pelo governo. No Líbano, a insatisfação com a classe política conseguiu unir a colcha de retalhos religiosa que forma a sociedade: cristãos, drusos, muçulmanos xiitas e sunitas, juntos, obrigaram o primeiro-ministro Saad Hariri a renunciar.
A saída, no entanto, parece não ser capaz de responder sozinha ao descontentamento contra políticos. Estive em duas ocasiões em Beirute, multiculturalmente bela e politicamente democrática metrópole outrora conhecida como Paris do Oriente Médio, onde falta quase tudo em serviços públicos: energia elétrica precária, água poluída e coleta de lixo insuficiente. Mas o principal problema é a corrupção. Hariri tomou uma boa decisão renunciando, mas agora o povo quer eleições antecipadas e o retorno do dinheiro roubado pelo governo.
No Iraque, o pano de fundo da revolta que deixou 240 mortos, é também contra os larápios no poder. Desde o início do movimento, em 1º de outubro, os manifestantes iraquianos não pararam de repetir que rejeitam qualquer manobra política. Também para eles, a queda do governo do primeiro-ministro iraquiano, Adel Abdel Mahdi — que balança —, não é suficiente. É necessário renovar toda a classe política que chegou ao poder após a queda do ditador Saddam Hussein em 2003 e que não mudou desde então. Além disso, os manifestantes querem que os peixes graúdos da corrupção devolvam o dobro do valor do PIB iraquiano - país que é o terceiro maior produtor de petróleo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) — que, segundo eles, evaporou desde a invasão americana.