A revolta dos guarda-chuvas colocou o governo de Xi Jinping contra a parede a poucas semanas do aniversário de sete décadas da vitória da Revolução Comunista, em 1949.
Se não agir para conter os ventos da Primavera de Hong Kong, o presidente chinês será visto como fraco pelo partidão — dois anos depois de ele ser equiparado, oficialmente, a Mao Tsé-tung. Por outro lado, se fizer avançar as tropas, posicionadas atualmente em Shenzhen, sobre Hong Kong estará cruzando uma linha vermelha que traz fantasmas do passado: um mais distante, nos 30 anos do Massacre da Paz Celestial, outro mais recente, o sufocamento do Tibete, em 2008, quando o governo endureceu a mão contra a população, restringindo o acesso de turistas e proibindo jornalistas de entrar no local.
O dragão chinês exibe seu lado sombra ao mesmo tempo em que mostra-se ao mundo como uma locomotiva que avança de forma impressionante para se tornar a maior potência econômica do planeta, desafiando a hegemonia americana. O esplendor econômico muitas vezes ofusca a percepção de que a China é uma ditadura, que censura a imprensa, a internet, restringe direitos políticos e tortura opositores.
Esconder do mundo o que acontece no Tibete, nos grotões chineses, foi relativamente fácil. Já o que ocorre em Hong Kong há 10 semanas será impossível. O território é um enclave do capitalismo na China. Por dois dias, o aeroporto internacional, o oitavo mais movimentado do mundo, teve de cancelar voos por conta dos protestos. Foi uma das estratégias dos manifestantes para chamar a atenção do planeta para o que está acontecendo. Quem não via, agora, viu.
Ex-colônia britânica, Hong Kong foi devolvida aos chineses em 1997. No entanto, a região possui um status especial — sistemas políticos e judiciais diferentes do resto da China. As manifestações começaram após o projeto de uma lei de extradições que permitiria o envio de condenados para fora do território — no restante da China — para serem julgados por tribunais controlados por Pequim. Os ativistas consideram essas cortes menos justas do que as de Hong Kong. O projeto foi suspenso, mas a pauta cresceu: os manifestantes continuam exigindo sua retirada final, a renúncia da governadora Carrie Lam, pró-Pequim, a libertação de presos, mais democracia e, para desespero do partidão, a independência.
Basta prestar a atenção nos símbolos usados pelos manifestantes. Os guarda-chuvas foram usados pela primeira vez no ato pró-democracia em 2014. Também entoam uma das mais conhecidas canções do musical francês "Les Misérables" (Os Miseráveis), baseado no romance épico francês de Victor Hugo. Redenção e revolução estão nas entrelinhas. "Você ouve o povo cantar? Cantando a música dos homens raivosos É a música de um povo, que não será escravo de novo", diz a letra.
A China não costuma ameaçar o Ocidente com força militar — diferentemente da Rússia, que mantém interesses no Oriente Médio e projeta poder até sobre a América do Sul, com o caso venezuelano. Mas não aceita revoltas internas nem do chamado entorno estratégico _ a zona de sua influência, como o Mar do Sul da China. Não irá tolerar uma nova Taiwan, desta vez com fronteira terrestre. E a ameaça de esmagamento da revolta é real.