Poucos levaram Donald Trump a sério naquele 16 de junho de 2015, quando ele anunciou sua candidatura à presidência dos Estados Unidos em seu palácio da Quinta Avenida, em Manhattan, onde fica a Trump Tower.
Ali, com aquele slogan "Make America great again" (Tornar a América grande de novo), falava o Trump apresentador de reality show, um empresário acostumado ao show business e às bravatas. Nem o Partido Republicano engolia o candidato, um outsider entre pelo menos uma dezena de políticos, alguns mais tarimbados e dispondo da bênção de famílias tradicionais da legenda, com os Bush.
Mais de um ano se passou daquela dia e, na noite da eleição, lembro de muitos jornalistas acompanhando a contagem dos votos posicionados no Rockefeller Center, em Nova York, onde esperavam a comemoração dos apoiadores de Hillary Clinton. Com o jogo virando, e os números da contagem no Colégio Eleitoral apontando para o lado Trump, houve uma migração de repórteres rumo à Trump Tower, algumas quadras dali.
Foi a apoteose trumpiana. As pesquisas não erraram, necessariamente: mostravam empate técnico ou vitória de Hillary. De fato, ela ganhou no voto popular, mas, como se sabe, quem decide mesmo o vencedor nos EUA é o Colégio Eleitoral. É assim desde 1787: a mais tradicional democracia do mundo escolhe um presidente, na prática, por voto indireto.
Eu havia viajado por Ohio, Carolina do Norte, Virgínia, Maryland, Pensilvânia e Nova York naqueles dias finais da campanha. Sentira sinais vindos dos grotões americanos que apontavam uma guinada conservadora: desgaste natural dos democratas, há oito anos no poder, a sensação de que Barack Obama era mais um presidente para o mundo e menos para os EUA, a repulsa em relação à agenda progressista, com Obamacare, ao sistema de saúde público e contra a suposta mão leve com imigrantes ilegais e aos inimigos históricos dos americanos, como os regimes cubano e iraniano. A conquista de Trump fora a vitória do americano branco, classe média, interiorano e masculino em sua maioria.
Trump chegou à Casa Branca, mas não desceu do palanque. Tanto que o anúncio de sua candidatura à reeleição, na terça-feira (18), é mera formalidade. Na prática, ele já é candidato desde que assumiu em 2017. Trump ama o poder.
Se irá continuar na presidência em 2020 é outra questão. Depende da economia. Se o país continuar indo de vento em popa, dificilmente alguém o desbancará da Casa Branca. Nunca se gerou tantos empregos nos Estados Unidos e o país registra um crescimento acima dos 3%. N hora do voto, o que pesa é o bolso.
A essa vantagem, soma-se a dificuldade de a oposição em articular-se: há mais de 20 pré-candidatos democratas. Com exceção de Joe Biden — ex-vice de Obama, de centro, mas com pouco carisma — e Bernie Sanders — muito à esquerda para ser o ungido do partido —, os demais são pouco conhecidos, representam eleitores de determinada facção da legenda e misturam-se em um cenário de fragmentação que mais atrapalha do que ajuda. Trump tem a desaprovação de 52,8% dos eleitores, mas, de forma geral, esse percentual nunca foi muito alto nem muito baixo.
Não à toa ele escolheu a Flórida para lançar sua candidatura à reeleição em 2020. Como presidente, esteve nesses dois anos de mandato sete vezes lá: com 14 milhões de eleitores, a Flórida é um "swing state" — como são chamados os estados sem direção política definida — e costuma deixar o país em suspense com votações apertadas. Embora Trump seja impopular entre os hispânicos em nível nacional, quem mora na Flórida é, em geral, simpático a sua política contra a migração ilegal. Sem o voto hispânico nenhum candidato ganha a eleição.
A eleição de 2020 será, de certa forma, uma repetição de 2016. Biden até aparece à frente do republicano na maioria das pesquisas, mas os EUA seguem rachados ao meio em uma polarização que só deve se acirrar até novembro do ano que vem. A diferença em relação àquele junho de 2015 é que, desta vez, ninguém se arriscará a desdenhar de Trump.