Há dois anos morando no México, a jornalista gaúcha Mônica Cabañas acompanha as caravanas de migrantes que chegaram ao país no ano passado na busca por cruzar a fronteira com os Estados Unidos.
— Quem como eu pode ver de perto os alojamentos gigantes onde eles estavam tem a certeza que algo está muito errado no planeta. Quando se conversa que essas pessoas a única coisa que eles desejam é viver em paz e segurança — conta Mônica, 57 anos, que é escritora e terapeuta.
Na quarta-feira (26), a foto de um pai e uma filha que morreram abraçados ao tentar cruzar o Rio Grande comoveu o mundo, menos de uma semana depois de um relatório global das Nações Unidas revelar que cerca de 70 milhões de pessoas estão deslocadas por questões de guerras, crises econômicas ou perseguições políticas, de gênero, etnia ou religião. Da Cidade do México, Mônica contou à coluna sua experiência no trabalho de apoio aos migrantes.
Como a população mexicana reagiu à foto do pai e da filha migrantes que morreram abraçados ao cruzar o Rio Grande?
As pessoas foram muito impactadas. Como aquele menino da Síria que morreu na praia da Turquia. É uma imagem muito forte. As caravanas começaram no ano passado, mas os migrantes tentando ir para os EUA já é algo normal, que ocorre há muitos anos. Eles enfrentam de tudo: solidariedade, agressões.
Como é a região da fronteira?
Conheço Chiapas (Estado). Ali também há um rio, os migrantes atravessam de balsa. Às vezes, o rio está cheio, às vezes não. Fazem balsas com pedaços de paus, rodas de caminhão. Às vezes, atravessam caminhando como essa família tentou atravessar.
A senhora percebe mudança no fluxo migratório nos últimos anos?
Moro a uma quadra do Instituto de Migração. O perfil das pessoas mudou. E o número aumentou de forma assustadora nos últimos meses. Quando a gente foi morar nessa rua, há dois anos, era um movimento normal. De outubro para cá, houve aumento significativo. Por volta de 7h, a fila está entrando na minha rua, algo que não acontecia antes. O perfil das pessoas também é diferente: antes tu vias latino-americanos, centro-americanos, agora tu vês africanos e asiáticos, perfis que não se via no México.
O que esses migrantes buscam nesse instituto?
São pessoas que querem ficar morando no México pelo menos por um tempo. Para trabalhar aqui, não ser considerado ilegal, eles têm de pedir visto de estudante, de trabalho. Não é só para os EUA que as pessoas estão querendo ir. Também querem ficar aqui.
Como é o seu trabalho com os refugiados?
Em novembro, a gente estava voltando de Puebla. Na estrada, encontramos várias pessoas da caravana, vinham caminhando para a Cidade do México. Nos chocou ver a condição delas. A gente pensou: "Temos de fazer alguma coisa". É muito sofrido ver essas pessoas. A gente se juntou, usamos nossas redes sociais e começamos a juntar água, comida, roupa, material de higiene. Usamos todos os nossos conhecidos, amigos, para poder arrecadar. Fizemos das nossas casas um centro de armazenamento. Organizamos por tipo de produtos, roupas de crianças para diferentes idades, e ligamos para instituições, que estavam trabalhando na recepção da caravana.
Elas ficam por tempo indeterminado nesses abrigos?
Elas chegaram em blocos. Ficavam nesse centro e iam migrando. Elas sobem (em direção ao Norte, rumo à fronteira com os EUA), não ficam aqui. Houve momentos em que fomos entregar material, e havia 6 mil pessoas. A prefeitura da Cidade do México, organizações não-governamentais, Nações Unidas fizeram um trabalho gigantesco para dar comida aos migrantes.
Não ficam aí porque o objetivo é a fronteira.
É a fronteira, na grande maioria. Alguns ficaram na Cidade do México, mas a grande maioria subiu. A gente acompanhou todas essas caravanas que chegaram aqui.
E quais eram as maiores necessidades?
Houve um momento em que a grande necessidade era de carrinhos de bebê. A gente juntou um valor maior, foi a um grande mercado e comprou 30 carrinhos de bebê. Havia muitas crianças. A gente viu muitas mães com bebês pequenos no colo. Elas comentavam que era muito pesado levar a pequena bolsinha que tinham mais o bebê e caminhar muitos quilômetros. Essas pessoas vêm de Honduras, de El Salvador, caminhando. É impressionante. É muito impactante. Tinha muitas mulheres grávidas.
Qual a perspectiva dessas pessoas? Elas acham realmente que irão cruzar a fronteira?
Conversei com mulheres, homens, jovens e um menino de Honduras. Apesar de ter vindo de Honduras caminhando, na caravana, passar por dificuldades, ele tinha um brilho no olhar. O sonho dele não era os EUA, era o Canadá. Ele disse: "Quero ir para o Canadá, porque sei que, lá, terei uma chance". Ele tinha pai e mãe doentes e cinco irmãos. Tinha 19 anos. Ele é o arrimo da família. Tentou trabalhar em vários lugares em Honduras, mas não conseguiu sustentar a família. Ele ouviu falar que ia subir uma caravana. Falou para a família: "Vou embora. Vou para o México. E, de lá, vou tentar entrar no Canadá". O sonho dele não era o sonho americano. Era o Canadá. Ele me disse que achava que no Canadá teria uma chance de estudar que não receberia nos EUA. O que vejo é que eles têm esperança de que, com a caravana, um grande número de pessoas, os EUA deixarão passar. As pessoas alegam que vêm fugindo da violência, de perseguições políticas, pessoais. Eles entendem que, com esse argumento, não teria como os EUA dizerem "não" a eles.
O que não é uma realidade.
Não é, infelizmente. Mas pior do que a realidade que eles enfrentam em seus países acredito que não seja. Ninguém sai do seu país se tem perspectiva de ser feliz. As pessoas com as quais conversei só saíram porque não têm perspectivas. Se tivessem, não sairiam.
O que as pessoas falam sobre o muro que Donald Trump planeja construir na fronteira?
A população em geral não comenta sobre o muro porque o México tem seus próprios problemas. Sobre a foto do pai e da criança afogados as pessoas não param de falar, chocou demais. Mas a discussão do muro não é uma coisa do dia a dia. Os mexicanos com os quais convivo têm suas próprias prioridades. Claro que a imagem da criança morta abraçada ao pai tentando um sonho, isso choca. Isso não sai da cabeça das pessoas, porque o México é também um país de migrantes. Há um ponto de táxi perto da minha casa e quase todos os taxistas lá já tentaram a vida nos EUA. E voltaram. As pessoas não querem morar em outro país, querem morar em seu próprio país. Mas querem condições de vida adequadas. Um dos senhores foi três vezes para os EUA: atravessou o deserto, o rio, em uma das vezes foi deportado. Com o dinheiro que conseguiu trabalhando nos EUA comprou o táxi. Os mexicanos vão para fazer o pé de meia e voltar. O senhor que trabalha em meu edifício também. Foi para os EUA três vezes. Com o trabalho dele, comprou um terreno, construiu uma casa, comprou um carrinho e, agora, está trabalhando de manutenção no prédio. Não está desamparado. Isso ele conseguiu indo aos EUA, fazendo a mesma trajetória dessas caravanas: atravessando o rio, o deserto. A população mais simples do México se identifica com a caravana, porque eles também fazem isso.