A receita é conhecida: pegue um candidato que se apresenta como apolítico, um Donald Trump. Acrescente um perfil oriundo de um partido novo, que rompa com a hegemonia das legendas tradicionais: um Jair Bolsonaro. Junte uma plataforma de governo com promessas de combate à corrupção e à violência urbana: um Rodrigo Duterte, das Filipinas.
Mexa esses ingredientes com a efervescência das redes sociais. Abomine a mediação da imprensa profissional. Provavelmente, emergirá daí alguém como o publicitário Nayib Bukele, presidente eleito de El Salvador, pequeno país da América Central com área inferior a do Estado brasileiro de Alagoas.
Aos 37 anos, ele é o mais novo representante do caldo eleitoral latino-americano dos últimos anos.
Como o Brasil, El Salvador rompeu com o bipartidarismo que dominou o cenário político, lá representado pelo dueto Aliança Republicana Nacionalista (Arena, ultradireita) e pela Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN, extrema-esquerda).
A primeira governou El Salvador entre 1989 e 2009, a segunda, herdeira da guerrilha convertida em partido político, chegou ao poder em 2009. A primeira tem um ex-presidente preso, condenado a 10 anos de reclusão por corrupção, Antonio Saca. A segunda conta com um presidente que chegou a ter 83% da aprovação e hoje vive asilado na Nicarágua, Maurício Funes, ex-aliado de Lula. Se voltar a seu país, será julgado por enriquecimento ilícito.
Bukele conquistou 53,78% dos votos em uma eleição marcada pela abstenção, sinal da descrença da população na política tradicional. O presidente eleito apresenta-se como outsider, o anti-establishment salvadorenho, embora tenha sido prefeito de Nuevo Cuscatlán e da capital, San Salvador. Milita na novidade política do país, o pequeno e conservador partido Grande Aliança pela Unidade Nacional (Gana). Venceu sem ter ido a nenhum debate eleitoral.
O publicitário personificou o cansaço dos eleitores com partidos impregnados pela corrupção — muitas vezes, atuando em aliança com quadrilhas, os chamados "maras", que extorquem a população e são responsáveis pela maioria dos 3,4 mil homicídios em 2018.
Lá, como nos Estados Unidos — onde Trump é republicano, mas pouco representa a legenda —, o binômio direita-esquerda não conseguiu interpretar as necessidades comezinhas do povo: emprego e dinheiro no bolso. Lá, como nas Filipinas, a violência nas ruas é a principal preocupação da população. No caso filipino, Duterte flerta com o autoritarismo, cala a imprensa e viola direitos humanos. Lá, como no Brasil, os partidos tradicionais precisam juntar os cacos para voltar a ter credibilidade.