A Igreja Católica tem na mão a oportunidade histórica de colocar o dedo na ferida de uma chaga que a corrói por dentro. Pela primeira vez, bispos de todo o mundo se propõem, por ordem do papa Francisco, a debater, com o mínimo de transparência, o tema do abuso sexual de menores. Mas o encontro, entre quinta-feira e domingo, no Vaticano, só terá sucesso se a Santa Sé deixar de lado seu tradicional recato intramuros e der visibilidade a ações concretas de combate aos crimes de quem veste batina.
A lista de casos reais, que encerra o filme Spotlight: Segredos Revelados, mostrou, em 2016, como o problema não obedece a fronteiras nacionais: a violência cometida dentro da Igreja por religiosos acossou fiéis nos Estados Unidos, na católica América Latina (Brasil, inclusive), na Europa e na Ásia.
O papa Francisco tem prometido tolerância zero em relação ao tema – e a expulsão do ex-cardeal Theodore McCarrick, no fim de semana, envia a mensagem clara aos bispos de que o Pontífice não pretende tergiversar.
A reunião na Santa Sé é o primeiro passo. O segundo, tão importante quanto, será garantir transparência ao debate. Não se trata apenas de desvios morais, julgados pela poderosa Congregação para a Doutrina da Fé, herdeira da Inquisição. Padres pedófilos devem responder diante da Justiça dos homens. Mais: só punição não basta. O que de fato será feito para evitar casos futuros?
O Brasil será representado no encontro pelo presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cardeal Sérgio da Rocha, que embarca hoje para Roma. Sob ordem do Papa, antes de chegar ao Vaticano, cada autoridade nacional deve fazer o tema de casa: os bispos foram orientados a se reunir pessoalmente com vítimas de abusos sexuais em seus países. “O primeiro passo deve ser tomar consciência da verdade do que ocorreu”, dizia o texto de uma epístola, em dezembro, recebida pelas autoridades mundo afora.
Ou seja, quem vai a Roma não pode chegar de mãos abanando sob pena de ser cobrado por Francisco. Com as informações que os bispos levarem na mala, o Papa almeja colocar as vítimas no centro do debate e ter uma visão detalhada sobre o tamanho do monstro.
A CNBB explicou que, no Brasil, o assunto tem sido abordado em reuniões de bispos. Em 2011, o órgão refez as Diretrizes para a Formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil, ressaltando “a importância da formação humano-afetiva na formação inicial e permanente dos sacerdotes”.
Não parece suficiente. Também não se sabe se a Igreja no Brasil fez o tema de casa ordenado pelo Papa. À coluna, a CNBB informou que dom Sérgio só falará sobre o evento após o retorno de Roma.