O muro de US$ 5 bilhões de Donald Trump está longe de ser construído, mas outro, simbólico, estava presente no Capitólio durante o discurso sobre o Estado da União, na terça-feira (5), madrugada de quarta-feira (6) no Brasil.
Uma barreira invisível se materializava no comportamento dos parlamentares na 1h22min do pronunciamento de Trump: enquanto os democratas ficavam sentados e poucas vezes aplaudiam o presidente, os republicanos, de pé, o ovacionavam a cada frase. Está aberta a campanha para as eleições presidenciais de 2020.
Se Trump conseguirá construir ou não o muro na fronteira com o México nos dois anos que lhe restam é uma questão menor. O que importa é o jogo político, desgastar o adversário. E, para isso, a barreira de concreto virou cavalo de batalha dos dois lados. Para Trump, é uma questão de honra.
Para defender a proposta, ele disse que a criminalidade em El Paso – cidade texana na fronteira com o México – caiu drasticamente depois que uma cerca foi instalada no local.
– Simples assim, muros funcionam e muros salvam vidas. Então, vamos trabalhar juntos, com compromisso, e chegar a um acordo que realmente torne os Estados Unidos seguros – disse Trump.
Isso não é completamente verdade, segundo checagem feita em tempo real pelo jornal The New York Times. As detenções na fronteira caíram em 91% no distrito de San Diego entre o ano fiscal de 1994, o exercício anterior ao da conclusão da cerca de fronteira original, e o ano fiscal de 2018. Mas, conforme o Serviço de Pesquisa do Congresso, a cerca por si só “não teve impacto mensurável” sobre o número de migrantes que cruzam ilegalmente a fronteira para o lado americano. Conforme o levantamento, o que funcionou de fato foi a combinação entre aumento de efetivo de patrulha e novas tecnologias. De forma geral, as travessias na fronteira vinham caindo havia quase duas décadas mesmo em áreas sem barreiras.
Para os democratas, a polêmica serve para desgastar o governo ao máximo até o fim do mandato. Por isso, um novo shutdown deve vir por aí. Trump e o Congresso têm até 15 de fevereiro para chegar a um acordo definitivo sobre o orçamento. Caso o impasse continue, a paralisação recomeça. Contagem regressiva.
O comportamento da oposição durante e depois do discurso de Trump é um termômetro de como ela está se armando para a campanha pela sucessão. É fato que os democratas ainda não conseguiram juntar os cacos da derrota de 2016, mas já se mostram um pouco mais fortalecidos desde o pleito de meio de mandato, em novembro, quando conquistaram maioria na Câmara dos Deputados.
Enquanto não conseguem um nome forte para peitar Trump em 2020, eles testam vários: um deles é o de Stacey Abrams, mulher negra de 44 anos, candidata derrotada ao cargo de governadora do Estado da Geórgia nas últimas eleições. Ela foi escolhida pelo Partido Democrata para responder ao discurso do Estado da União de Trump. Embora fosse pouco conhecida em nível nacional, sua fala indica que, para barrar a tentativa de reeleição do presidente, os democratas apostarão menos no centrismo dos Clinton e mais em setores de esquerda, jovem, feminino e diverso.