Tem o "show político" de que fala Nicolás Maduro sobre o acúmulo de comida e remédios na fronteira venezuelana com Brasil e Colômbia. Tem também as suspeitas de que a ajuda internacional, na verdade, esconde planos de violação da soberania venezuelana. Afinal, o termo "humanitário" já foi usado, em passado recente, para justificar bombardeios na Líbia, por exemplo.
Entretanto, o que mais preocupa, neste momento, é o risco de um banho de sangue que pode ter dia para começar: sábado, 23 de fevereiro.
Nesta data, o "presidente encarregado" Juan Guaidó quer reunir 1 milhão de pessoas nas fronteiras venezuelanas para receber (eu diria, forçar a entrada da) ajuda humanitária armazenada em Colômbia, Brasil e Curaçao, a maior parte enviada pelos Estados Unidos.
A escolha da data não é por acaso: estará completando um mês do dia em que Guaidó se proclamou presidente, embarcando a Venezuela na aventura sem volta de ter dois chefes de Estado — ele próprio, reconhecido por mais de 50 nações, e o cambaleante Maduro, sustentado por alguns fracos aliados regionais, Bolívia e Nicarágua, e por dois poderosos globais, China e Rússia.
As brigadas de voluntários começaram a se deslocar no domingo, em caravanas de ônibus, aos pontos de entrada dos carregamentos nas fronteiras. Poderão sair do país, pegar comida e remédios, e voltar a ingressar na Venezuela? Eles atravessarão as pontes, apinhadas de militares de Maduro? Caminhões de ONGs chegarão ao outro lado? Não se sabe. Aliás, qualquer detalhe dessa operação é mantido em sigilo pela oposição por motivos óbvios.
— Entrará (a ajuda) sim ou... sim, por terra e por mar — tem declarado Guaidó.
Três aviões militares dos EUA chegaram no sábado à cidade colombiana de Cúcuta, perto da ponte limítrofe Tienditas, bloqueada por militares venezuelanos com caminhões e outros obstáculos. Nesta terça-feira, chegará um avião de Miami a Curaçao com mais assistência americana. No centro de armazenamento de Roraima, há somente ajuda brasileira.
Guaidó tem insistido para que as forças armadas venezuelanas não reconheçam Maduro e deixem entrar a ajuda humanitária. Negar o ingresso diante de uma população esfomeada, em suas palavras, é "crime contra a humanidade".
Um plano para garantir legitimidade — e evitar um potencial massacre — é atrair para a fronteira autoridades internacionais. Uma das estrelas é o deputado republicano Marco Rubio, um dos principais aliados de Donald Trump. Ferrenho crítico de Maduro, ele chegou nesta segunda-feira a Cúcuta. Eurodeputados do Partido Popular Europeu (direita), que foram barrados de entrar no país por Caracas, tentarão ingressar pela Colômbia no sábado.
Maduro vê na ação o pretexto para uma invasão — e não se pode negar que há um fundo de verdade, como o próprio Donald Trump não descartou a alternativa militar. Por isso, o venezuelano ordenou a seu comando militar que deflagre um plano especial de mobilização. Fechar as fronteiras é opção estudada pelo alto comando.
Os venezuelanos precisam de comida e remédios. Isso é fato. Infelizmente, a ajuda não entrará no país descarnada das implicações políticas de seu recebimento. Forçar a entrada pode ser o rastilho de pólvora de que os dois lados precisam para que a Venezuela dê o passo rumo ao precipício — tragando o resto do continente. Nunca, desde o dia 23 de janeiro, o diálogo se faz tão urgente.