Em junho de 2010, o médico congolês Denis Mukwege, ganhador do Prêmio Nobel da Paz nesta sexta-feira, desembarcou em Porto Alegre para participar do Fronteiras do Pensamento e foi logo avisando: "Sou do Grêmio".
Poucos entenderam aquele inesperado arroubo tricolor do africano. Mas Mukwege, em várias ocasiões durante a viagem, repetia: "Sou do Grêmio".
Tratava se de uma pegadinha de um amigo, o cirurgião plástico gaúcho Milton Paulo de Oliveira. Eles haviam se conhecido dois anos antes na República Democrática do Congo, quando Milton participou de uma missão humanitária pela organização Smile Train. Na ocasião, o gaúcho ajudava crianças a voltar a sorrir, dedicando-se a cirurgias de reconstituição de lábios de portadores de fissura labiopalatina, conhecido como lábio leporino.
Foi quando conheceu Mukwege. Impressionado com o trabalho do médico congolês, maior especialista do mundo em reparação interna de genitais femininos, o gaúcho tratou de tentar trazê-lo a Porto Alegre. Quando a vinda se confirmou, Milton, que é gremista, deu um conselho:
— Olha, lá em Porto Alegre, nós não temos uma guerra, não é o Congo. Mas também há uma disputa. Quando tu chegares lá, tens de dizer que és do Grêmio.
Mukwege seguiu a dica ao desembarcar no aeroporto Salgado Filho e foi logo tascando um "sou do Grêmio" por onde andava nos quatro dias em que visitou a Capital, para orgulho de Milton e frustração de seus amigos colorados.
Além da conferência no Fronteiras, Mukwege visitou hospitais São Lucas, da PUCRS, e instalações da UFRGS, além da Vila Fátima, onde conheceu o trabalho de equipes de saúde.
— Ele ficou muito impressionado não com a tecnologia, mas como a proximidade entre médicos e pacientes — contou Milton à coluna, nesta sexta-feira, feliz com a notícia do anúncio do nome do amigo como Nobel da Paz pelo comitê sueco encarregado da láurea.
Naqueles dias em Porto Alegre, Mukwege comeu churrasco na casa da família do colega gaúcho.
— Ele não sabia o que era churrasco. Dizia "barbecue" (churrasco, em inglês). Eu disse: "Não é barbecue, é outra coisa" — brincou Milton.
Os dois conversaram na segunda-feira passada, por e-mail. Milton estava na expectativa de que o amigo fosse anunciado como Nobel da Paz. Mukwege reagiu da forma simples que lhe é característica.
— Seja como foi, não vou mudar. Continuarei sendo quem sou — disse.
O amigo gaúcho destaca que o congolês acredita na "a multiplicação de vozes" como forma de sensibilização dos africanos e da comunidade internacional para a situação de guerra no Congo e na proteção aos direitos e à dignidade de milhares de mulheres congolesas. Mukwege é um crítico das missões humanitárias no continente, que, segundo ele, reforçam o assistencialismo e dificultam que as populações andem com suas próprias pernas. Ele costuma repetir um mantra:
— A África não precisa de dinheiro. Precisa de respeito.