A Venezuela vive uma profunda crise econômica, política e institucional, que transborda suas fronteiras, levando milhares de cidadãos a fugir do país em direção à Colômbia e ao Brasil. Na semana passada, Nicolás Maduro, em discurso, havia feito um raro mea-culpa, admitindo que sua política econômica falhara. Se havia alguma expectativa de um alívio ou sensibilização por parte do regime diante do caso no país, cuja democracia se liquefaz dia após dia, ela acabou neste fim de semana. O que virá após o suposto atentado com drones — e digo suposto porque até agora não foram mostradas provas de que os artefatos voadores foram, de fato usados? Certamente, um endurecimento do governo e sinal verde para o início de nova caçada à oposição.
O suposto ataque com os drones vai justificar uma ofensiva ainda maior contra setores cujas liberdades civis não são garantidas no país há décadas.
Ainda que não se saiba quem está por trás da ação, este não é o primeiro atentado contra o governo. Em junho 2017, um helicóptero lançou granadas contra o prédio do Ministério do Interior da Venezuela. Na ocasião, o piloto Oscar Pérez reivindicou a autoria e convocou os venezuelanos a fazer frente ao governo de Maduro. O policial foi morto em janeiro deste ano em uma operação militar que mais parecia um jogo de tiro ao alvo.
Em 6 de agosto de 2017, cerca de 20 homens tentaram invadir o forte de Paramacay, uma unidade militar na cidade de Valencia. O grupo, liderado pelo ex-capitão Juan Carlos Caguaripano, foi preso.
Em comum, é possível observar que há sempre ex-militares ou policiais por trás dos episódios, o que pode indicar alguma fratura na caserna, a principal base de apoio madurista. Neste domingo, o alto comando das forças armadas venezuelanas veio a público demonstrar seu apoio ao presidente.
"Permanecemos incólumes e aferrados às convicções que nos caracterizam, apoiando de forma incondicional e com irrestrita lealdade o nosso comandante em chefe", expressou o ministro de Defesa, Vladimir Padrino, que leu um comunicado assinado pelo alto comando militar.
Abaixo, o que se sabe até agora sobre o suposto atentado contra Maduro.
1 - O que aconteceu?
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, teria sido alvo de uma tentativa frustrada de atentado às 17h41min de sábado, enquanto discursava por ocasião do aniversário de 81 anos da Guarda Nacional Bolivariana, a polícia militarizada do país.
Ele falava na Avenida Bolívar, no centro de Caracas quando houve duas explosões, deixando pelo menos sete pessoas feridas. O governo diz que dois drones tentaram se aproximar do palco. Um deles teria sido abatido pela segurança presidencial. O outro artefato teria caído sobre um prédio, ferindo sete pessoas. Testemunhas questionam: dizem que não é possível ver qualquer drone ou "artefato voador" no momento que explosões são ouvidas. nas imagens do local liberadas até agora também não é possível avistar os supostos equipamentos. Com ou sem drone, sete pessoas ficaram feridas, segundo o governo. Imagens do jornal El Universal mostram pelo menos um militar com ferimentos na cabeça.
2 - Como foi?
Com a faixa presidencial, Maduro discursava ao microfone ao lado da mulher, Cilia Flores, e de comandantes militares. De repente, ouve-se duas explosões. Cilia se assusta e olha para cima. Logo, o discurso é interrompido. Os militares que estavam perfilados para desfile na Avenida Bolívar começam a correr. O drone abatido carregava, segundo o governo, C4, ou Composition C-4, um tipo comum de explosivo plástico. Aparentemente, a ideia era lançar os dois artefatos sobre o palco onde estava Maduro. Franco-atiradores da guarda de honra do presidente derrubaram um dos drones. O outro caiu em um prédio próximo ao local.
3 - Quem são os responsáveis?
Não há informações independentes para se afirmar, até agora, quem são os responsáveis. Um suposto grupo autointitulado "Soldados de Franela" (Movimento Nacional Soldados de Camiseta) se pronunciou no Twitter reivindicando o ataque e chamando o ato de Operação Fênix. Eles divulgaram fotos do episódio e disseram que são formados por um "conjunto de militares e civis patriotas leais ao povo da Venezuela", que atuam "baseados em argumentos legais e constitucionais": "Demonstramos que são vulneráveis. Não conseguimos (alcançar o objetivo) hoje, mas é questão de tempo", diz o Soldados de Camiseta num tuite. A conta de Twitter @SoldadoDfranela, foi criada em março de 2014 e conta com 95 mil seguidores.
Em pronunciamento após o ataque, Maduro acusou o governo da Colômbia e pessoalmente o presidente Juan Manuel Santos de estar por trás da tentativa de atentado, junto com " ultradireita colombiana, venezuelana e de Miami". Ele disse que o atentado ocorreu dias depois que Santos declarara que vê como próxima a saída de Maduro do poder. O governo colombiano disse que não há base para as acusações. Os Estados Unidos também rejeitaram estar por trás da tentativa de ataque.
4 - Alguém foi preso?
Há seis detidos até agora. O governo afirma que as investigações estão avançadas e promete apresentar os suspeitos do ataque nesta segunda-feira. Um dos detidos teria participado de protestos contra o governo em 2014, já havia sido preso e respondia a processo em liberdade. Outro dos supostores autores teria participado de um ataque ao Forte de Paramacay.
5 - Por que Maduro acusou a Colômbia e os Estados Unidos?
É comum Maduro se dizer vítima dos dois governos. Juan Manuel Santos, atual presidente da Colômbia e Prêmio Nobel da Paz 2016 pelo acordo com a guerrilha das Farc, está deixando o poder (Iván Duque venceu a eleição em junho e assume na terça-feira). De centro-direita, é um dos principais opositores de Maduro na América Latina.
A Colômbia faz fronteira com a Venezuela e tem sido destino principal dos migrantes que fogem do país de Maduro. São frequentes rusgas entre os dois países, em especial por conta de suspeitas de atuação além das fronteiras da antiga guerrilha, hoje transformada em partido político. Com relação aos EUA, também é frequente Maduro acusar o governo americano de conspirar contra seu governo, obedecendo a uma narrativa construída por seu padrinho político, Hugo Chávez, de suspostos interesses imperialistas na região.
6 - O que disseram outros governos?
Maduro recebeu solidariedade de vários países, em especial de governos aliados ao bolivariano, como Rússia, Cuba, Bolívia e Nicarágua. O governo brasileiro, crítico do regime Maduro, não se manifestou até agora.