Criminalidade em alta. Sucateamento da saúde e da educação. Polarização política interna a cinco meses da eleição presidencial e uma retomada econômica lenta, que ainda não é possível de ser sentida no bolso. Você dirá: "Já temos, no Brasil, problemas demais para nos preocuparmos com a Venezuela". Engana-se, amigo leitor. A reeleição de Nicolás Maduro — ao que tudo indica por um número de votos inferior ao da abstenção na disputa de domingo — é também problema nosso. Em cinco pontos, entenda as razões:
1) Invasão de refugiados
No país onde a inflação deve chegar a 13.000% em 2018, segundo o FMI, e previsão de desemprego de 36% até 2022, a única alternativa para muitos venezuelanos é fugir. A Organização Internacional para Migrações contabiliza que 1 milhão de pessoas deixaram a nação desde 2015. A maioria (800 mil) foi para a Colômbia. O Peru recebeu 298 mil. A crise chega também aqui. O Brasil já contabiliza a entrada de 50 mil migrantes. Principalmente por Roraima, um Estado com infraestrutura frágil, que já começa a sentir efeitos da superlotação: abrigos lotados e milhares de imigrantes em situação de rua.
2) Aumento do discurso xenófobo
Ainda não sentimos, aqui no Rio Grande do Sul, efeitos da migração de venezuelanos, porque a maioria segue para grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, em busca de trabalho. Mas com a Colômbia impondo novas barreiras para a entrada no país, a tendência é de que o fluxo em direção ao Brasil aumente. Com tempos difíceis também por aqui, não demorará para observarmos discursos xenófobos nas redes sociais. A Venezuela deve começar a entrar na campanha brasileira — o que pensam os candidatos com relação ao regime Maduro será um bom balizador na hora de escolher em quem votar.
3) Imagem externa
Não interessa ao Brasil uma ditadura do outro lado dos 2.199 quilômetros de fronteira entre os dois países. A instabilidade democrática reforça perante o mundo a imagem da América Latina como uma região pouco confiável aos olhos de investidores internacionais. A crise também compromete as iniciativas de atuação em bloco. O país está suspenso por tempo indeterminado do Mercosul. Perdem todos.
4) Risco de intervenção dos EUA
Tampouco interessa ao Brasil uma intervenção armada dos EUA na região, o que aumentaria o êxodo de refugiados, com grande chance de o conflito transbordar para o lado de cá.
Desde 11 de setembro de 2001, a América Latina não é prioridade para a política externa da Casa Branca. Com Donald Trump no poder, os esforços diplomáticos estão concentrados no conflito comercial com a China, na nova guerra fria com a Rússia, na crise síria e nas tentativas de conter Kim Jong-un na península coreana. O desinteresse da atual administração ficou muito claro com a ausência de Trump na Cúpula das Américas, em Lima. Mike Pence, o vice, parece ter sido o ungido para as questões do subcontinente. Nesta segunda-feira, ele afirmou que os EUA tomarão "medidas econômicas e diplomáticas rápidas" para contribuir para o retorno da democracia na Venezuela. Em outras palavras, sanções, que, como se sabe, só punem — ainda mais — a população.
5) Impacto no comércio
A crise venezuelana impacta o comércio exterior brasileiro. Em 2012, no auge do intercâmbio bilateral, o país exportou US$ 5 bilhões para a Venezuela. Em 2017, foram apenas US$ 470 milhões.
Maior país da América Latina, o Brasil tem obrigação de capitanear as negociações para uma possível saída institucional para a Venezuela. Rejeitar a vitória de Maduro, a exemplo do que fizeram outros 13 países nesta segunda-feira, não irá resolver o problema. Tampouco funcionará apenas chamar seu embaixador em Caracas para consultas. O Grupo de Lima, formado por 14 países para tentar mediar uma solução, é, até agora, a melhor iniciativa para a busca por alternativas. Mas está na hora de substituir a pressão pelo diálogo.