Jesus era misericordioso, mas radical, inclemente diante dos vendilhões do templo. O papa Francisco, nesses cinco anos no trono de São Pedro tem se revelado, a começar pelo nome escolhido ao final do conclave, exemplo de caridade, dádiva tão cara aos jesuítas. Agora, é hora de revelar pulso forte diante do maior escândalo de seu pontificado: a descoberta de que a Igreja Católica no Chile acobertou centenas de casos de pedofilia. A revelação, a partir de uma investigação interna do próprio Vaticano, levou todos os 34 bispos do país latino-americano a colocar seus cargos à disposição do Papa nesta sexta-feira (18).
Os casos de pedofilia no católico Chile já constrangeram a visita recente de Francisco à América Latina. O mais conhecido é de Juan Barros, bispo da cidade de Osorno, acusado de proteger seu antigo mentor, o reverendo Fernando Karadima, considerado culpado de abuso de meninos em uma investigação do Vaticano em 2011. Após a visita — e de negar seguidas vezes as suspeitas —, Francisco enviou a Santiago o principal investigador da Santa Sé para o assunto, o arcebispo Charles Scicluna, de Malta. Descortinou-se nos últimos meses o teatro de horrores montado pela cúpula da Igreja chilena para encobrir os crimes de seus sacerdotes.
Os bispos são acusados de queimar documentos, ignorar denúncias e negligenciar vítimas, em um documento de 10 páginas que teve parte do conteúdo divulgado pela imprensa e confirmado pelo Vaticano nesta sexta-feira. Em ato contínuo, todos os bispos pediram "demissão".
A leniência com que tem lidado até agora com os casos de pedofilia é a única mácula de Francisco, cujo pontificado tem sido incensado por setores progressistas. O Pontífice argentino abriu a Igreja, antes eurocêntrica, ao mundo, fez gestos simbólicos e reais contra o preconceito e, no campo administrativo, implementou reformas para uma burocracia da Santa Sé mais enxuta.
Com relação aos abusos sexuais infantis, é onde deixa a desejar. Criou a Pontifícia Comissão para a Tutela de Menores, mas não deu forma a um esperado tribunal que julgasse réus.
Bento XVI, seu antecessor, saiu por escândalos como o do Banco do Vaticano, por conta da corrupção interna no coração da Praça de São Pedro e de outros motivos que talvez nunca saibamos. Francisco tem a chance de entrar para a história por ter agido contra a chaga que corrói a Igreja por dentro. Com a investigação no Chile, metade do trabalho está feito. Falta a outra metade: aceitar as demissões dos bispos e entregá-los à Justiça dos homens.