O presidente Donald Trump anunciou na tarde desta quarta-feira sua decisão de reconhecer a cidade de Jerusalém como capital de Israel. À distância, pode parecer algo simples, mas não é. A mudança de status altera tudo o que se pensou até hoje, em termos de diplomacia, sobre uma possível paz entre israelenses e palestinos. Em 10 tópicos, entenda por que, afinal, a decisão de Trump é tão grave.
1) Em 1947, quando as Nações Unidas aprovaram o plano de partilha do Oriente Médio, previram dois Estados - Israel e a Palestina. Jerusalém seria território internacional. Mas em 1967, forças israelenses ocuparam a parte leste da cidade, região onde ficam dois dos mais sagrados locais de peregrinação de judeus e muçulmanos - respectivamente o Muro das Lamentações e a Esplanada das Mesquitas. Essa região, também chamada de Jerusalém Oriental, é reivindicada pelos palestinos como capital de seu futuro Estado.
2) Trump já havia prometido fazer isso durante a campanha eleitoral, mas poucos levaram a sério. Ao ignorar os apelos de líderes mundiais, como o papa Francisco, que se manifestou nesta manhã, e o presidente francês, Emmanuel Macron, que tentou demovê-lo por telefone de sua decisão, o americano concretiza sua retórica de "America first". Nem países aliados dos EUA na região, como Egito e Arábia Saudita (até por sua maioria muçulmana), concordam com o gesto.
3) A decisão de Trump é uma provocação aos palestinos em particular e a todos os muçulmanos. Os palestinos viam em Jerusalém Oriental o sonho da capital de um futuro Estado. A área é o terceiro ponto mais importante do Islã - depois de Meca e Medina. Dois importantes pontos sagrados dos muçulmanos em geral estão ali o Domo da Rocha (local de onde Maomé teria subido aos céus) e a Mesquita de Al-Aqsa, o maior templo islâmico de Jerusalém.
4) O problema é que essa região de Jerusalém Oriental é também sagrada para os judeus. Ali fica o Muro das Lamentações, logo abaixo da Esplanada das Mesquitas, que os judeus chamam de Monte do Templo. O muro é o último vestígio do Templo de Herodes, construído no local onde ficava o templo construído por Salomão. Para os israelenses, toda Jerusalém é sua capital única e indivisível.
5) Jerusalém não é uma cidade qualquer. Além de todo o interesse político, é carregada de simbolismo. É o local sagrado de três grandes religiões monoteístas (judaísmo, islamismo e cristianismo). Ali se passaram, segundo a tradição e a fé de milhões de pessoas, alguns dos principais episódios nos quais se baseiam essas religiões.
6) Ao reconhecer Jerusalém como capital, Trump joga no lixo anos de negociações da comunidade internacional. Pela sensibilidade, o status de Jerusalém sempre foi tratado em nível de negociações de paz para a coexistência pacífica entre dois Estados - um israelense e outro palestino. Por isso, nenhum país reconhece a cidade como capital de um ou outro país. Todas as embaixadas com relações diplomáticas com Israel - inclusive a brasileira - ficam em Tel-Aviv, considerada capital comercial da nação.
7) Trump rompe com a única solução tida como a mais aceitável pela comunidade internacional e a mais factível para a paz na região: a ideia de dois Estados. Ele já havia sinalizado logo após a eleição que não aceitaria essa proposta. O reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel seria uma mudança na política adotada pelos EUA desde a criação do plano de partilha pela Assembleia Geral da ONU.
8) A região pode explodir em violência a qualquer momento. O grupo extremista islâmico Hamas conclamou uma nova intifada (revolta palestina) para sexta-feira, dia em que as mesquitas estão lotadas. A Organização para a Libertação da Palestina (OLP) considerou a decisão de Trump "um beijo de morte". A Turquia, um dos poucos países de maioria muçulmana com relações diplomáticas com Israel, ameaça romper essa política de boa vizinhança.
9) A decisão de Trump, além de ser perigosa para o equilíbrio de forças no Oriente Médio, é um erro estratégico. Trata-se de mais um passo rumo ao isolacionismo e dificulta a aproximação com a Arábia Saudita, que o próprio governo americano vinha buscando. A Arábia Saudita é a grande potência do Islã sunita no Oriente Médio e trava uma disputa com o Irã (xiita) pela hegemonia regional. Se perder a Arábia Saudita como parceiro, os EUA entregam boa parte da influência na região à Rússia, que é aliada dos iranianos e já mostrou poder recente ao forçar uma relativa melhora da situação da guerra na Síria. Em tempo, a maioria dos palestinos é de orientação sunita.
10) A decisão sepulta qualquer expectativa de retomada do processo de paz, já congelado há anos, entre israelenses e palestinos.