Em maio de 2016, a imprensa americana ainda acrescentava o adjetivo "virtual" antes de se referir ao candidato republicano quando Donald Trump recebeu o apoio que faltava, aquele que pesaria na balança e no bolso para chegar à Casa Branca. Era uma sexta-feira, em Louisville (Kentucky). O maior grupo de apoio às armas de fogo nos EUA, a poderosíssima National Rifle Association (NRA), cerrava fileiras junto a Trump em sua convenção anual.
— Devemos nos unir e devemos nos unir agora - falou Chris Cox, diretor político da NRA.
Para eles, Hillary Clinton era o demônio a ser eliminado politicamente. Impedir a sucessão de Barack Obama, um dos mais radicais presidentes contra lobby das armas que a Casa Branca já abrigou, era o objetivo maior. Trump multiplicou suas promessas, em um toma-lá-da-cá que lhe rendeu US$ 7,7 milhões gastos pela NRA em spots na TV — US$ 5 milhões só nas últimas semanas pré-eleição.
Deu certo. Em 28 de abril de 2017, já empossado e perto dos cem dias de governo, Trump afirmou em Atlanta, também em uma convenção da NRA:
— Vocês tem um verdadeiro amigo na Casa Branca. Vocês me apoiaram, e eu vou apoia-los.
Não se sabe exatamente como Trump tem os apoiado, mas, do outro lado, a ajudinha continuou. De 1º de janeiro a 30 de junho deste ano, a NRA gastou US$ 3,2 milhões em lobby em Washington, conforme a Open Secrets, uma ONG especializada em analisar dados financeiros.
Algo de muito doentio existe em uma sociedade onde, volta e meia, um maluco abre fogo em uma universidade, boate ou show, como o desta segunda-feira em Las Vegas. Conforme a organização Everytown, que luta por maior controle no uso de armas, entre 2009 e 2016, ocorreram 156 grandes tiroteios (quando há mais de quatro mortos, pelo critério da ONG) nos EUA. Total de mortos: 848 pessoas. Em média, por ano, 22 grandes tragédias como a de Las Vegas, com 121 mortos.
Não há um número exato de quantas armas de fogo existem nas mãos de civis nos EUA, mas acredita-se que a estatística seja de nove para cada 10 pessoas. Basta visitar um grande shopping nos arredores de Miami, na Flórida, pra saber que é possível comprar uma arma em 15 minutos, sem muitos documentos.
Ou seja, não adianta Trump dizer que irá rezar pelas vítimas e suas famílias depois de ter enchido os bolsos com dólares do lobby da NRA. Tampouco comove a secretária de Imprensa da Casa Branca, Sarah Huckabee, segurar as lágrimas ao falar do massacre. Suas orações e suas lágrimas nada mudam para os pais dos mais de 50 jovens que morreram em Las Vegas. Infelizmente, pelas estatísticas, haverá outras tragédias como essa até dezembro. Estamos só em outubro.