Por anos, acompanhei de perto as discussões sobre ambiente e aquecimento global. Como enviado de Zero Hora, estive nas conferências do clima da Organizações das Nações Unidas (ONU) em Buenos Aires (2004), Montreal (2005), e Bali (2007). Em 2015, fui ao complexo onde se realizaria a cúpula de Paris, em Le Bourget, mas deixei a cidade antes de o evento começar dias depois dos atentados.
Nessas coberturas, o mais fácil era relatar o circo do lado de fora: a pirotecnia de ONGs para chamar a atenção de fotógrafos e cinegrafistas para sua causa – os pinguins antárticos, as baleias do Ártico, os tigres siberianos. Todas legítimas preocupações, apesar de caricatos espetáculos de seres humanos vestidos de animais de pelúcia.
A parte, digamos, mais "política" era complexa. A agenda oficial do encontro ficava assoberbada por pequenas reuniões a portas fechadas. O Brasil sempre foi visto com atenção, por abrigar a maior floresta tropical do mundo ou por suas iniciativas políticas de energias renováveis. Os protagonistas de fato, entretanto, eram outros: os gigantes poluidores, à frente os EUA; as rivais nações da União Europeia, que exigiam cortes drásticos nas emissões de gases poluentes; e as vítimas, pequenas ilhas do Pacífico, como Fiji e Kiribati, primeiras a sentir efeitos do aquecimento do planeta, com risco de desaparecerem submersas.
Os EUA dos anos George W. Bush resistiam às pressões, sob o argumento de que limites travariam o desenvolvimento industrial. Às vezes, como acontecera em Bali, uma nota de rodapé salvava a conferência do fracasso. A ONU queria que os países desenvolvidos saíssem com metas ousadas, mas a proposta foi vetada pelos americanos. O texto final não mencionava o percentual dessa redução. Porém, no final da primeira página, uma nota informando que elas se referiam ao que previa o IPCC, o Painel Intergovernamental da ONU sobre mudanças climáticas – ou seja, de 20% a 40% das emissões de CO2 até 2050 pelos países desenvolvidos. Houve choros e discursos emocionados, lembro bem. O Acordo de Paris começava, embora ninguém pudesse prever naquele momento, a nascer ali.
Passada a euforia de 2015, na ponta do lápis, sabemos que os esforços apresentados pelos países signatários não bastavam para para atingir o objetivo de impedir que o aumento médio da temperatura do planeta supere um nível entre 1,5 e 2 graus no fim deste século. Era preciso mais. Em fevereiro, perguntei ao climatologista Carlos Afonso Nobre se chegáramos ao ponto de não retorno.
– O ponto de retorno seria na geração de meus pais, nas décadas de 1960, 1970. O ponto de não retorno a 1,5ºC é certo que já atingimos, porque com a quantidade de gases do efeito estufa que lançamos, só o que está na atmosfera garante isso. Hipoteticamente, se parássemos de emitir hoje, a temperatura subiria a 1,5ºC – disse um dos principais cientistas brasileiros, doutor em meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT).
Por isso, a saída dos EUA do acordo de Paris na prática é um golpe, mas tem pouco efeito. O governo Barack Obama, que comprometeu os americanos na agenda do clima, foi um hiato de sensatez de oito anos entre Bush e Trump. Governos passam. Os EUA sobreviveram a Bush. Vão sobreviver a Trump. O problema é que, como humanidade, já perdemos tempo demais.