Dramaticidade nas coreografias, trajes e cabelos milimetricamente ajustados e passos delicados que, ao mesmo tempo, exigem muita força física. Soma-se a esse mise en scène um público atento e curioso. Assim pode-se resumir a atmosfera de um espetáculo de balé.
Pesquisas históricas apontam que a primeira apresentação de balé ocorreu em 1581. Mas foi a partir do século 17, com Luís XIV, rei da França, que esse estilo de dança começou a ganhar maior notoriedade, principalmente, porque o monarca também era bailarino.
Ao longo desses 444 anos, o balé se difundiu. As técnicas foram aprimoradas, mas a essência se manteve. Em Caxias do Sul, por exemplo, o maior município da Serra, o estilo também se difundiu. É possível dizer que o início remonta à Escola Municipal de Belas Artes, que funcionou de 1949 a 1967, com cursos ligados às mais diversas linguagens artísticas, como a música, a pintura e a dança.
Com o fechamento da Escola de Belas Artes, outros espaços foram surgindo, como é o caso da Dora Ballet, com mais de seis décadas de atuação, tendo sido criada por Dora de Resende Fabião.
Para Márcia de Resende Fabião, sócia ao lado da irmã Susana, na Dora Ballet, a profissionalização da escola é fruto, principalmente, da dedicação da família em cuidar do empreendimento criado pela mãe, Dora de Resende Fabião.
— Não é somente a formação acadêmica, eu acho que exige experiência, porque cada corpo é único, e você tem que saber trabalhar o corpo de acordo com o físico de cada um, não é como aplicar uma matemática, que dois mais dois todo mundo vai saber que é quatro, não é assim— defende Márcia.
A rotina para se tornar um bailarino profissional pode ser comparada com a de um atleta. São horas e horas de dedicação, cuidados com o corpo e abdicações. Essa tem sido a rotina de Arthur Bueno, 14 anos. Apaixonado por balé, iniciou na dança aos três anos, motivado pelas apresentações que assistia na televisão. Aos seis, ingressou na Dora Ballet.
Agora, o adolescente se prepara para um grande desafio. Em janeiro vai se mudar para Goiânia, capital de Goiás, para estudar na Escola do Futuro em Artes Basileu França, uma das principais do Brasil.
Mesmo jovem, o bailarino tem experiências internacionais no currículo, como o Youth America Grand Prix (YAGP), nos Estados Unidos.
— Aqui em Caxias não tem muitas oportunidades, e lá tem bastante, eles vão para muitos concursos. Eu estou bem ansioso, só que deixar tudo aqui é difícil — revela o adolescente, sonhando com sua carreira de bailarino profissional.
“O balé requer muito tempo de estudo”, diz Simone Andreola
Uma das ex-alunas da Dora Ballet é Simone Zanandrea Andreola. Formada em Relações Públicas, é especialista em Educação na Arte, Música, Teatro e Dança. Já participou de concursos e mostras no Brasil e Argentina, recebeu bolsas e estudou com mestres do balé.
Com 30 anos de experiência em sala de aula, foi professora nas escolas Dora Ballet, Colégio São Carlos, Dante Alighieri e Núcleo Artístico Ballet Margô. Desde 2017 ela trabalha como professora e ensaiadora nas escolas Ballet Vera Bublitz, em Porto Alegre, e Endança Jazz e Cia, em Caxias.
— O balé requer muito tempo de estudo, uma escola de formação com a graduação inicia nos nove anos de idade e termina aos 18. Dos três aos nove anos é um aprendizado muito lúdico, a formação do bailarino é dos nove aos 18, então é difícil ter um aluno que consiga ficar na escola dos nove aos 18, é difícil formar um bailarino, demora muito tempo. Ou tu fazes a aula para trabalhar o teu corpo, o teu espírito, desenvolver uma habilidade artística, ou tu fazes a aula com um planejamento futuro de se tornar um profissional — orienta Simone.
Disciplina, postura e delicadeza dos gestos
O Núcleo Artístico Ballet Margô, fundado em 1982 por Margô Dalla Rosa Brusa, é uma das escolas pioneiras em Caxias do Sul. Atualmente, é administrado pelos filhos, Matheus e Katherine. A fundadora da escola morreu em fevereiro de 2024, e deixou um legado aos seus sucessores. O cuidado com os alunos, a atenção com cada coreografia e a busca pelo desenvolvimento fazem parte da rotina diária.
— O balé busca disciplina, postura, delicadeza dos gestos, formação física de equilíbrio, de espacialidade, de tudo. Mas não temos ideia de onde isso pode levar, porque é muito amplo, o balé que uma vez imaginávamos é aquele de repertório, que temos a reposição de grandes balés, e tu tens todo um rigor para seguir, porque aquilo é um ideal, o que vemos nas grandes companhias, e, hoje em dia, para chegar nesse padrão, é muito raro, é tipo físico e vontade, porque é rigoroso — explica Katherine Brusa, produtora do grupo.
Para Matheus, a cidade é repleta de bailarinos a serem lapidados e acredita que o trabalho desenvolvido aqui caminha lado a lado com o de importantes companhias brasileiras.
— O balé clássico é comprovadamente a atividade física mais completa que existe, mais do que natação, mais do que qualquer outra. É uma técnica que vem sendo amadurecida há mais de 300 anos, então, deu tempo dela estar muito refinada e, bem trabalhada, ela se basta.
Uma das grandes preparações anuais do Núcleo Artístico Ballet Margô é para o Festival de Dança de Joinville. No ano passado, na 41ª edição, a escola recebeu quatro prêmios e, desde 2006, em sua estreia, o grupo caxiense contabiliza 70 prêmios.
No Reino Encantado, primeiros passos ainda mais cedo
É de uma maneira lúdica que crianças de um a oito anos dão seus primeiros passos no Reino Encantado do Ballet Flávia Thais, em Caxias. O local, inaugurado em 2022, é fruto da experiência de Flávia Thais de Abreu como pedagoga e professora de balé.
A metodologia é própria, mas ancorada nos preceitos da Royal Academy of Dance, da Inglaterra.
Ao todo, são quatro turmas divididas por faixas etárias. E uma delas, denominada Dance Comigo, chama a atenção. O grupo é voltado para crianças de um e dois anos com duração da aula de 30 minutos. Nessa modalidade, os pais, tios e avós também podem se arriscar a dançar.
— O vínculo é extraordinário, sempre trabalhei com essa faixa etária, mas era dentro da escola de educação infantil, junto com as professoras, sem a família. Eu já sentia nas escolas que estava faltando alguma coisa e era essa conexão familiar, e é isso que prezamos no Reino Encantado do Ballet. Aqui, a criança nunca vai estar sozinha, ela não embarca para uma viagem sozinha, para vir no nosso reino, a família embarca junto — avalia Flávia.
Raio-x da dança, em Caxias
Conforme a Unidade de Dança da Secretária Municipal da Cultura de Caxias, a cidade conta hoje com 25 escolas ligadas ao balé, e 50 que ensinam a dança (acrescentando outros estilos).