Não passa de hipocrisia a decisão surpreendente desta segunda-feira de seis países árabes romperem com o Catar, pequeno e rico emirado do Golfo Pérsico. A alegação de Líbia, Iêmen, Egito, Arábia Saudita, Bahrein e Emirados Árabes Unidos é de que a nação vizinha tem apoiado grupos terroristas e provocado instabilidade na região.
Por que hipocrisia? Porque absolutamente todos esses países que agora apontam o dedo para o Catar abrigam, em suas entranhas, células extremistas e pequenas agremiações ou da rede Al-Qaeda ou do autoproclamado Estado Islâmico. O Iêmen é um antro de terroristas; o Egito, governado por uma ditadura militar que recebeu sobrevida mesmo após a Primavera Árabe, tem usado sua mão de ferro justamente para aplacar radicais; a Arábia Saudita do clã Saud é berço da Al-Qaeda e de Osama bin Laden, local aliás onde nasceram 15 dos 19 seqüestradores do 11 de setembro de 2001; a Líbia pós-Muamar Kadafi é um saco de gatos do extremismo islâmico, dispõe de um governo enfraquecido que não controla grandes áreas de deserto de seu território.
Em outras palavras, há algo ainda não esclarecido por trás da decisão desses governos de fechar fronteiras, romper relações diplomáticas e dar prazo para que os cidadãos do Catar deixem seus países. Pode-se perceber, entretanto, uma tentativa conjunta, liderada por Arábia Saudita, de isolar o Catar, que sempre manteve certa independência na região - e cresceu enormemente nos últimos anos em riqueza e influência, fazendo sombra sobre os vizinhos.
A atual crise começou há cerca de três semanas, quando o governo do Catar anunciou que sua agência de notícias estatal havia sido hackeada por uma entidade desconhecida. Declarações falsas foram atribuídas a seu emir, xeque Tamim bin Hamad Al Thani. Entre os assuntos mencionados estavam o Irã, o Hezbollah, o Hamas e a Irmandade Muçulmana. O emir criticava também, supostamente, a hostilidade americana em relação ao Irã e especulava sobre a possibilidade de o presidente dos EUA, Donald Trump, não terminar o mandato. Detalhe: ele havia se encontrado com Trump naqueles dias.
O governo negou todas as informações e se diz vítima de um ataque cibernético. Também abriu uma investigação, com o apoio do FBI, para determinar a origem dos hackers.
O Catar é um dos países mais desenvolvidos da região, com receita oriunda do petróleo e gás natural - a terceira maior reserva mundial. É forte aliado americano e abriga em seu território o Comando Central dos EUA, responsável pela movimentação de tropas americanas no Golfo Pérsico.