Nos bastidores do encontro entre o presidente Michel Temer e o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, há semelhanças que vão além da carta de boas intenções que ambos líderes divulgaram nas semanas que antecederam à reunião desta segunda-feira, em Brasília – a primeira de um chefe de governo europeu ao atual governo brasileiro.
Se por aqui oito ministros do governo Temer são alvo de inquéritos na Lava-Jato, do lado de lá do Atlântico, a situação política também não anda favorável para seu colega espanhol. Rajoy, do Partido Popular (PP, conservador), foi convocado recentemente pela Audiência Nacional, um tribunal espanhol especializado nos casos políticos-financeiros e de terrorismo, como testemunha em um escândalo de corrupção chamado Caso Gürtel.
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As denúncias, que vieram à tona em 2007, guardam semelhanças com a Lava-Jato. No caso espanhol, entretanto, elas se resumem a um partido, o PP, de Rajoy, e concentram-se principalmente nas comunidades de Madri e Valência. A investigação começou em torno do nome de Francisco Correa, dono da Special Events e Orange Market.
O empresário é réu em vários casos envolvendo pagamento de propina para dirigentes do PP para conseguir licitações de obras públicas "para empresas amigas". Mais de 30 pessoas, entre elas vários ex-membros do partido de Rajoy, são julgadas por desvio de dinheiro público entre 1999 e 2005. Há ramificações do escândalo. Recentemente, um ex-tesoureiro do partido, Luis Bárcenas, admitiu ter usado recursos de caixa 2.
A exemplo da Lava-Jato, cujo termo teve origem no uso de uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de automóveis para movimentar recursos ilícitos pertencentes a uma das organizações criminosas inicialmente investigadas, na Espanha, os investigadores da Fiscalía Anticorrupção, promotoria especializada em crimes de colarinho branco, dão nomes pomposos à operação.
Gürtel tem origem no sobrenome Correa – Gürtel, em alemão. A investigação foi dirigida pelo famoso juiz Baltasar Garzón, que ficou conhecido nos anos 1990 por mandar prender o ex-ditador Augusto Pinochet. No caso Gürtel, Garzón acabou afastado e suspenso por 11 anos por abuso de poder por ter ordenado escutas ilegais entre líderes da rede e seus advogados.
O primeiro-ministro, na Espanha o cargo é chamado de presidente de governo, foi convocado a testemunhar na terceira tentativa da Associação de Advogados Democratas da Europa (Adade). Em duas vezes anteriores, a Audiência Nacional rejeitou o pedido. Rajoy era secretário-geral do PP entre os anos 2003 e 2004, e reiteradas vezes negou ter conhecimento dos atos ilegais. Algumas torres de seu governo já caíram, entre eles a ex-ministra da Saúde Ana Mato.
Ainda não há data para a audiência, que será por si só histórica. Será a primeira vez que um chefe de governo espanhol irá prestar contas a um tribunal em um caso de corrupção.