Eu já não tenho mais saúde, para mim não podem voltar a rufar os tambores de guerra, foram tão serenos esses últimos 20 anos, arrepio-me só em pensar que os tigres podem voltar a rugir.
Pai, afasta de mim este cálice!
No tempo em que eu era jovem, travei batalhas que gastaram todas as minhas energias.
Minhas armas há muito tempo estão ensarilhadas, pensei que minhas medalhas de mérito em combate eram definitivas e nunca mais seriam cotejadas.
Assombra-me que alguns rolos de fumaça estejam a emergir por entre os montes.
Só agora me dou conta de como foi tranquilo este vale depois das vitórias inesquecíveis.
Pai, afasta de mim este cálice!
Interessante como a gente reage a ter de voltar ao passado.
Alguém disse, entre os existencialistas e os epicuristas, que só o presente interessa.
O passado não interessa, porque já passou.
E o futuro não interessa, porque não se sabe o que vai acontecer, ele é incerto, imponderável.
Só interessa o presente.
Por isso, quando o passado volta, ele nos espanta.
Mesmo que tivesse sido bom, quanto mais se tiver sido ruim.
Por isso se deve aproveitar ao máximo o presente.
E por isso uma escaramuça que nos faça retornar ao passado nos perturba profundamente.
Eu tanto recuso voltar ao passado quanto me molesta a possibilidade de que eu possa conhecer meu futuro.
Se o homem conhecesse seu futuro, a vida perderia a graça e ele enlouqueceria.
A graça em viver está em aguardar o futuro.
Mas nunca em voltar ao passado.
No tempo de meu pai, chorei no quintal de minha casa bilhões de vezes com meus inexorabilíssimos trabalhos.
Já contei aqui uma vez que meu pior dia era o "dia da lenha", quando um caminhão ou uma carreta descarregava milhares de achas de lenha em nosso pátio e eu tinha de sobraçá-las espinhentas e empilhá-las no galpão.
Nunca mais quereria que voltassem aqueles dias mensais da chegada da lenha.
É verdade que mais tarde teria de me entregar na vida a tarefas ainda mais rudes e estafantes, mas novas tarefas.
O que eu não posso reviver é aquele aviso trágico de minha madrasta: "Paulo, chegou a lenha. Vai carregá-la e empilhá-la".
Eu tenho o direito de nunca mais retornar àquele terror.
Tudo aceito que possa vir ainda a me sobrecarregar.
Mas a lenha, nunca mais!
Crônica publicada em 13/03/07