Crônica publicada em 22/ 12/ 2002
É imprescindível esmalte nas unhas do pé, das mãos nem tanto. São indispensáveis dedos simétricos, tanto nos pés quanto nas mãos.
O dedão do pé não pode ser exatamente um dedão redondo e largo, tem de guardar uma justa proporção geométrica com os outros quatro dedos, sem agredi-los pelo vulto.
É preferencial que o pé seja pequeno ou médio, embora se encontre sem muito grande frequência pés grandes de harmonia estética e apelo afrodisíaco consideráveis.
O dedo limítrofe do dedão, sob pena de sacrilégio e veto inapelável, não poderá jamais exceder em comprimento ao dedão.
E os três dedos seguintes irão gradativa e discretamente diminuindo de comprimento na relação de um com o outro, até o quinto dedo, que terá de ter a graça desafiadora de uma cereja.
O corte das unhas dos pés tem de ser desenhado em linha convexa, isto é, com curva mais elevada no meio que nas bordas.
Fica fora de concurso o pé que contenha unhas cortadas em linha reta, do tipo para não encravar.
Não há nada mais desanimador.
Há pés tão encantadores e espirituais, que o aperto de mãos deveria ser dado com eles.
Se os olhos são as janelas da alma, os pés são os portais do instinto.
Os pés são a credencial da sensualidade, as outras partes do corpo se constituem apenas em insígnias suplementares.
Os pés têm tal poder hipnótico, que, quando dotados de sedução irresistível, fazem emanar uma tal atração, que não resta outro recurso aos seus espectadores, mesmo que nenhuma palavra tenha sido ainda pronunciada, senão sucumbirem de paixão.
E esta paixão será mais duradoura que as outras paixões todas, porque os pés têm a capacidade incrível de envelhecer menos ou quase nada na relação com os outros redutos corporais.
A lascívia pelos pés é eterna.
As sandálias são os biquínis dos pés, porque os desnudam.
Os sapatos são os véus dos pés, porque os ocultam sedutoramente.
Conheço maníacos de pés que se apaixonam por sapatos de salto alto, basta-lhes curtir o delírio lúbrico do imaginário concupiscente dos pés que os portam ou portaram.
O pecado ancestral da escultura e da pintura foi não ter dado relevo aos pés.
Só recentemente a moda vingou-se desse cochilo monumental dos mestres das artes plásticas, criando graciosos modelos de calçados femininos, que realçam a importância e o destaque dos pés na sensualidade da mulher.
A julgar pelos novos anéis de dedos dos pés que estão sendo lançados aos magotes, os anéis e alianças de silicone para os dedos dos pés, as tatuagens de hena, as tornozeleiras que vão acabar tornando superadas as pulseiras, esses emergentes e luzidios adereços que irrompem vitoriosos nos pés femininos, em breve as joias mais cintilantes e mais caras se transferirão dos pescoços, dos dedos da mão e dos pulsos femininos para os pés.
Isso só demonstra que nós, os ardorosos amantes dos pés, os fanáticos podófilos de todos os tempos, é que estávamos com a razão.
O mundo descobriu finalmente a nossa secreta e deliciosa usufruição.
E o nosso fetiche privativo virou finalmente uma mania universal.
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