Que movimento arriscado do governador! Tomara que dê certo, claro, mas uma dúvida precisava ser esclarecida: em qual indicador técnico ele se baseou para flexibilizar as atividades a partir da próxima segunda-feira (22)? Eduardo Leite respondeu a essa pergunta na entrevista que nos concedeu nesta quarta (17), no Jornal do Almoço.
Primeiro, vamos aos fatos: o Rio Grande do Sul, nos últimos 10 dias, viu dobrar o número de mortes diárias por covid-19, registrou o recorde de 502 óbitos em 24 horas e tornou-se o Estado brasileiro com a maior taxa de crescimento de novos casos de coronavírus. A dúvida é óbvia: se há três semanas Leite decidiu restringir as atividades – e inclusive comprou briga com prefeitos e empresários –, por que resolve afrouxá-las agora, em um momento ainda pior?
O governador deu uma resposta interessante, embora controversa. Segundo Leite, as restrições que ele impôs já apresentam, sim, resultados positivos. São resultados ainda pouco visíveis, mas que logo adiante devem acarretar redução de internações e mortes. Por isso, na avaliação do governador, já é possível fazer algumas flexibilizações.
Por exemplo: a taxa de contágio no Rio Grande do Sul caiu de 2,35 para 1,41 – ou seja, cada 100 pessoas contaminadas transmitem a doença agora para outras 141. A queda é realmente significativa, mas, para o número de doentes parar de crescer, o índice precisaria estar abaixo de 1. Leite não disse isso no Jornal do Almoço, mas imagino que, no entender dele, a tendência é de que essa taxa continue caindo.
O governador apresentou outros dados que considera auspiciosos: o número de leitos clínicos ocupados, por exemplo, parou de crescer. E a média diária de novos pacientes precisando de leitos (sem contar os que já estão internados) despencou de 358 para 16.
– Continuando nessa perspectiva, a gente vai observar, sim, nos próximos dias, uma redução da ocupação de leitos. Ainda vai ser em um ritmo lento, mas que já vai demonstrar a redução do contágio – previu o governador.
A controvérsia maior, que irrita epidemiologistas e diretores de hospitais, é justamente afrouxar as medidas antes de os resultados serem perceptíveis e concretos. O infectologista Ronaldo Hallal, membro do Comitê Covid-19 da Sociedade Riograndense de Infectologia, protestou nesta quarta-feira (17), na Rádio Gaúcha, contra essa suposta precipitação de Eduardo Leite:
O fôlego econômico não se sustenta por mais tempo: o país se endividou, não há recursos, o auxílio emergencial agora é três vezes menor.
EDUARDO LEITE
Governador do Rio Grande do Sul
– Em qualquer país onde a experiência do isolamento tenha funcionado, as atividades retornaram quando já havia índices menores, e não no momento em que eles nunca estiveram tão elevados, como é o nosso caso.
Hallal ainda criticou a ausência de políticas de conscientização – e de acesso da população a máscaras que sejam mais eficientes no bloqueio do vírus. Mas, retornando às flexibilizações, por que o governador resistiu em aguardar um pouco mais? Por que decidiu reduzir as restrições tão cedo?
– Porque o fôlego econômico não se sustenta por mais tempo: o país se endividou, não há recursos, o auxílio emergencial agora é três vezes menor. Como estamos vendo o início de uma curva (de contágio) descendente, vamos passar para uma abertura lenta e gradual, mas ainda com muitas restrições e fiscalizações – respondeu Leite na entrevista.
Repito: tomara que dê certo. Porque o movimento é bem arriscado.