Porto Alegre é a primeira cidade do mundo a ter um monumento ao coronavírus. Alguém postou essa piada no Twitter com uma foto da Supercuia, a controversa escultura que, no fim deste mês, completa 17 anos de destaque na paisagem urbana da Capital. Avisado pela coluna, o autor da obra não se surpreendeu com a gozação.
– Sempre achei que lembrava um vírus. Ou um átomo, uma molécula, isso era claro para mim quando criei a peça. A única coisa que jamais pensei, sinceramente, é que fossem achar parecida com seios – diverte-se Saint Clair Cemin, 69 anos, um dos artistas brasileiros de maior prestígio no circuito internacional.
Natural de Cruz Alta, mas radicado em Nova York há quase quatro décadas, Saint Clair sabe que as glândulas mamárias são menção frequente para se referir à Supercuia. O apogeu da polêmica deu-se em 2009, quando o historiador Voltaire Schilling, no artigo "A capital das monstruosidades", publicado em Zero Hora, escreveu que a escultura podia ser entendida como "a exaltação de um superúbere de uma vaca premiada". Foi o gatilho para um debate que alvoroçou a cidade, com vereador propondo inclusive a remoção do monumento.
– É uma obra com muitas possibilidades de interpretação. Isso faz as pessoas pensarem. E faz a Supercuia nunca passar despercebida – comenta Saint Clair.
Até porque ela mexe com um dos maiores símbolos da tradição gauchesca. Quando criou a escultura para a 4ª Bienal do Mercosul, em 2003, o artista queria exatamente isso: submeter a imagem da cuia, um ícone da nossa ancestralidade, a uma estética futurista que destoasse de qualquer padrão convencional.
É uma obra com muitas possibilidades de interpretação. Isso faz as pessoas pensarem.
– Fiz com papelão um dodecaedro regular (figura geométrica constituída por 12 pentágonos) e colei uma cuia de verdade em cada face dele – relembra Saint Clair, que depois chamou uma empresa de engenharia para fazer a versão gigante da peça, com revestimento em fibra de vidro e estrutura em aço.
Doada ao município após a Bienal, a obra de quatro toneladas e seis metros de altura (sem contar a base, que tem mais três metros) foi inaugurada em 28 de março de 2004 no canteiro entre as avenidas Edvaldo Pereira Paiva, Augusto de Carvalho e Aureliano de Figueiredo Pinto – área que ficaria conhecida como Rótula das Cuias.
Porto Alegre, a partir dali, entrou no qualificado rol de cidades que ostentam monumentos públicos de Saint Clair: outras obras dele adornam ruas da Noruega, da Suécia, do Japão e dos Estados Unidos. E ainda havia gente querendo derrubar a nossa Supercuia.