Um resumo interessante desta reta final do governo Marchezan ocorreu na quinta-feira (10), em uma sessão da Câmara de Vereadores.
Apresentado há 11 meses, um dos projetos mais inovadores da atual gestão foi rejeitado por 23 votos a dois – só quem se manifestou favorável foram Roberto Robaina e Alex Fraga, ambos do PSOL. E o PSOL, como se sabe, fez dura oposição ao prefeito ao longo do mandato inteiro. O que aconteceu?
A proposta de Marchezan previa a chamada Taxa de Mobilidade Urbana: todas as empresas com sede em Porto Alegre, em vez de pagar vale-transporte aos seus funcionários, passariam a contribuir com um valor mensal à prefeitura. Isso garantiria, segundo o governo, passe livre para todos os trabalhadores com carteira assinada, além de passagem a R$ 2 para o restante da população.
Lá no início da tramitação, em janeiro, Robaina já tinha se convencido de que o projeto era bom – começou a liderar uma pequena frente de oposição simpática à proposta. Isso é raro, mas acontece. A questão é: se até alguns opositores gostavam da ideia, por que nem os apoiadores do governo, na quinta-feira, votaram a favor da proposta?
Bem, em primeiro lugar, eles são só três: Mauro Pinheiro (PL), Moisés Barboza (PSDB) e Ramiro Rosário (PSDB). Não lembro de outro governo cuja base aliada tenha se dissolvido de maneira tão absoluta. Três vereadores, entre 36!
Os outros parlamentares que um dia fizeram parte da base – mas saíram para apoiar um processo de impeachment – já estão com a cabeça no governo Melo. Seus partidos estão fechados com o futuro prefeito. Quer dizer: embora Marchezan ainda esteja no cargo, esses vereadores só aprovam o que Melo quer. E, ao menos até aqui, Melo não quer a Taxa de Mobilidade Urbana. Faz parte, é do jogo.
Mas e os três mosqueteiros do governo atual? O que houve com Mauro, Moisés e Ramiro? Por que apenas dois vereadores do PSOL votaram a favor do projeto?
Porque o trio governista não votou. Nenhum deles estava na sessão quando a proposta foi a plenário. Como aquela era uma sessão atípica – normalmente as votações ocorrem às quartas, e não às quintas –, os três haviam marcado compromissos diferentes. Priorizaram outras coisas. Alguém talvez pergunte se isso é normal, e a resposta é: depende.
Se houvesse alguma chance de o projeto ser aprovado, certamente o trio teria desmarcado tudo. Mas, como não havia chance alguma, o voto dos três não faria a menor diferença: todo mundo sabia que a Taxa de Mobilidade Urbana seria rejeitada pela maioria. Aí, claro, o pequeno resquício de base aliada que sobrou do governo Marchezan desobrigou-se de grandes esforços. Compreensível.
O problema maior é que, depois de 11 meses tramitando na Câmara, um projeto interessante foi rejeitado sem que a sociedade o tenha debatido. Não foi formada uma comissão especial de vereadores, as empresas não foram ouvidas, não houve discussão nas comunidades. Tudo foi interrompido pela guerra que Marchezan e os vereadores travaram neste ano.
Peguemos o exemplo de um mercadinho de bairro. É uma empresa que costuma contratar gente do próprio bairro – não tem, portanto, despesa com vale-transporte. Imagino que seria ruim, para esse mercadinho, pagar uma taxa obrigatória para a prefeitura sem qualquer funcionário precisando andar de ônibus. Uma comissão especial serviria para isso: para ouvir o mercadinho e outros setores atingidos.
Marchezan termina o governo sem iniciar a revolução que idealizou para o transporte coletivo. A intenção era ótima, as propostas eram sérias. Pena que faltou todo o resto.