Seu Aílton passava dois meses sem ver ninguém – e sem falar com ninguém. Quando nos viu chegando, abriu um sorriso no rosto castigado pelo sol e implorou:
– Por favor, entrem, por favor!
Era um quintal de areia fofa, o chalé de madeira ao fundo. Bem de frente para o mar. Bem no meio dos 150 quilômetros de orla inabitada entre a Praia do Cassino e a do Hermenegildo, no sul do litoral gaúcho. Seu Aílton não tinha celular, nem telefone fixo, nem internet, nem TV. Porque não havia antena ou sinal que chegasse lá – não havia sequer estradas que chegassem lá.
Nós só chegamos, eu e o fotógrafo Bruno Alencastro, porque tínhamos alugado um jipe para desbravar pela beira-mar aquele hiato de civilização. Era janeiro de 2013, fazíamos a cobertura de verão para o jornal.
– Nesta época do ano, às vezes até aparece alguém. Mas no inverno é muito triste: olho para um lado, olho para o outro e sinto vontade de... de... sei lá – disse seu Aílton baixando a cabeça, e o Bruno me olhou aflito.
Solteiro e sem filhos, ele morava naquele vácuo havia 14 anos, desde que aceitara o convite de uma florestadora para cuidar de uma plantação de pinheiros na orla. Seu trabalho era zelar pelas árvores, olhar para elas. Só isso. De tempos em tempos, a única pessoa com quem conversava um pouquinho batia à sua porta: um funcionário da empresa, que levava o salário e um rancho de súper.
– Como alguém vive assim? – o Bruno me perguntou quando seu Aílton entrou no chalé.
Ele voltou lá de dentro com uma caixa de papelão, onde se amontoavam oito filhotes de cães. O pai e a mãe, dois vira-latas, vieram junto arfando e brincando.
– O senhor tem amigos, seu Aílton! – comemorei.
– Meu lazer é caminhar na praia com eles. Caminho bastante: vou indo, indo, indo... e depois volto.
Achei tão triste. Olhei para aquela paisagem infinita, o mar lambendo a areia em um dia lindo, e pensei qual era o sentido daquilo sem ninguém para dividir. O Bruno deve ter pensado o mesmo, porque partiu dele a pergunta seguinte:
– E as namoradas, seu Aílton?
– Já tive algumas.
Nós três sorrimos.
– Só que elas sentem falta da novela, dizem que aqui é aborrecido – ele baixou a cabeça de novo.
Depois de três horas de conversa e um bule de café passado, nos despedimos. Senti uma bola na garganta quando lhe dei um abraço – porque foi aí que ele pediu, olho no olho:
– Por favor, apareçam de novo.
– Claro, seu Aílton, pode deixar!
Mas nunca mais apareci. Toquei minha vida e o deixei para trás – não sei nem se ele segue lá.
Ao longo de 2020, seu Aílton me veio à cabeça algumas vezes. O isolamento social, a escassez de opções, a ausência das pessoas, tudo isso me afetou profundamente – e já era tão comum na vida dele. Como ele pôde suportar por tanto tempo? Seria legal visitá-lo de novo, depois da vacina. Porque, depois da vacina, o que mais vou querer é aceitar o convite sempre que um velho amigo pedir:
– Por favor, entre, por favor!