Em primeiro lugar, entendo a política da prefeitura de remover as construções que moradores de rua erguem por aí. Se o espaço público pertence a todos, não pode alguém tomá-lo para si – isso seria privatizá-lo.
O revoltante, o escandaloso naquele caso que a coluna mostrou nesta segunda-feira (26), portanto, não é a retirada da casinha de Loreni Alves da Silva, o Índio, 47 anos, que vivia em um cubículo de madeira na Praça Isabel, a Católica, no bairro Praia de Belas. É a forma desumana como fizeram isso.
Sem qualquer aviso prévio, a prefeitura juntou uma dúzia de guardas municipais – todos armados –, estacionou um caminhão de lixo na praça e, quando Índio chegou, lá estava sua casa sendo devorada pelo compactador. Ele ainda pediu que poupassem seus documentos, mas ninguém lhe deu a mínima: cobertas, medicamentos e objetos pessoais também foram destruídos em uma sessão de truculência testemunhada por dezenas de pessoas.
– Não há dúvida de que houve danos aos direitos dessa pessoa – diz o defensor público Felipe Kirchner, professor de Direito Civil da PUCRS, para depois fazer uma analogia: – Digamos que o locatário de um imóvel, por exemplo, não pague o aluguel. Ele pode ser despejado, claro. Mas, mesmo que o despejo seja feito de maneira forçosa, seus bens precisam ser resguardados.
Segundo Kirchner, o tratamento dispensado ao sem-teto Índio revela que o poder público "não o considera um sujeito de direitos". Conscientes desse abuso, servidores do Tribunal de Justiça que acompanharam o episódio na Praça Isabel – situada em frente à sede da Corte – conseguiram para o morador de rua, na próxima semana, uma agenda na Defensoria Pública.
– Ele será ouvido por um defensor, que vai decidir que medidas tomar. Pode-se buscar uma indenização, um pedido de desculpas do poder público ou outra forma de reparação – avalia Felipe Kirchner.
A prefeitura, até agora, não explicou por que, antes de destruir a casinha, não avisou Índio nem permitiu que ele pegasse seus documentos. É inacreditável que uma ação judicial seja necessária para que alguém peça desculpas.
Com Rossana Ruschel