Ele tinha saído para catar material reciclável e, quando voltou à praça onde vive, no bairro Praia de Belas, viu sua casinha sendo engolida por um caminhão do DMLU: o compactador de lixo esmagava tábua por tábua.
Do nono andar do Tribunal de Justiça – o prédio fica na frente –, a servidora Letícia Chaise, 35 anos, contava 12 guardas armados acompanhando a operação. Outras dezenas de pessoas também presenciaram, na manhã do último dia 19, a desolação do morador de rua Loreni Alves da Silva, o Índio, 47 anos:
– Por que não me esperaram? Se tivessem me avisado antes, eu levava a casa para outro lugar ou pelo menos pegava meus documentos.
Ele afirma ter perdido CPF, título de eleitor, certidão de nascimento, cartão do SUS e exames médicos – estava tudo dentro de uma pastinha branca, que ele chegou a ver entrando no compactador.
– Pedi para desligarem o motor, mas ninguém me ouvia – relembra Índio, que tem atendimento marcado para os próximos dias no Posto Santa Marta, mas não consegue lembrar a data e o horário da consulta, que estavam anotados em um papel dentro da pasta.
Órfão de pai e mãe desde os cinco anos de idade, ele já havia aparecido na coluna um ano atrás: estava faceiro porque o artista Celopax, um dos grafiteiros mais prestigiados do Estado, tinha se encantado com sua casinha e colorido as quatro paredes. O pequeno lar construído pelo próprio Índio, na Praça Isabel, a Católica, tinha cama, uma cozinha e um par de armários distribuídos em menos de dois metros quadrados.
Servidor do Tribunal de Justiça, Fernando Henrique de Abreu Amaral, 27 anos, foi testemunha da demolição:
– Aquele senhor chegou tremendo, apavorado. Desmoronaram a casinha sem que ele pudesse pegar quase nada.
Roupas, calçados, cobertas e mobília teriam ido para o lixo. Daniel Fedrizzi, 43 anos, que também trabalha no tribunal, lembra de homens do DMLU depositando no caminhão o que restou da construção enquanto cinco viaturas da Guarda Municipal davam cobertura com sinal luminoso.
Procurada pela coluna, a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos, que responde pelo DMLU, informou que “apenas faz o recolhimento” dos resíduos e que o correto seria buscar explicações da Guarda Municipal. A Secretaria Municipal da Segurança afirmou que a Guarda só faz a proteção dos funcionários – a responsável seria a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, que, por sua vez, recomendou que procurássemos a Fasc. A Fasc garantiu que, neste caso, não foi acionada para acompanhar a ação.
Na semana passada, depois do episódio, Índio ganhou uma barraca, edredons e travesseiros de servidores do TJ. Alguém, pelo menos, teve um pingo de compaixão.
O que diz a prefeitura
Após a publicação da coluna, em contato com a RBS TV, a prefeitura encaminhou a seguinte nota:
"A Prefeitura, através do Serviço de Abordagem Social da FASC, já acompanha há bastante tempo o casal que estava instalado na Praça Isabel, em frente ao Tribunal de Justiça. O homem, conhecido como Índio, tem problemas de saúde mental e é atendido pelo Consultório de Rua. A determinação para que o DMLU recolhesse o casebre de madeira onde o casal estava vivendo respeita um regramento que impede este tipo de construção em espaços públicos.
Além disto, por duas ocasiões, as equipes da FASC ofereceram os serviços da Rede para o casal. No dia 19/08, após a ação, já que eles retornaram à praça. No entanto, não foi recebida, e nem aceitaram conversar. Em 21/08, houve nova tentativa de aproximação, desta vez, a mulher foi mais receptiva. As Equipes continuarão acompanhando e oferecendo os serviços da Rede, buscando o convencimento para tratamento e adesão.
As Equipes de Abordagem realizam o encaminhamento e o acompanhamento dos indivíduos e famílias até os serviços como Albergues, Abrigos e Centros Pop. Em alguns casos é ofertado o Auxílio Moradia, oficinas e capacitação para retorno ao trabalho."
Com Rossana Ruschel