Meu amigo Potter tem um podcast – você deve saber, mas é uma espécie de programa de rádio na internet. Lá ele entrevista filósofos, historiadores, jornalistas e políticos com visões de mundo absolutamente distintas: a intenção é buscar respostas para tudo aquilo que, embora esteja pulando na nossa cara, nunca parece tão claro assim.
Na temporada mais recente, o tema era "Que diabos, afinal, são esquerda e direita?". Tive a honra de entrar no timaço de entrevistados que o Potter escalou e, desde então, tenho recebido mensagens de gente pedindo que eu escreva aqui o que disse lá. Por mim, tudo bem, até porque venho escrevendo sobre isso há uns três anos – e é possível que você não aguente mais essa minha conversa de que o melhor caminho, o que funciona, o que dá certo, o que a História mostra como eficiente, é o centro. Não é a esquerda nem a direita – embora o centro possa, às vezes, pender um pouquinho para lá ou para cá.
O que falei para o Potter é que tanto a esquerda quanto a direita, em tese, têm boas intenções. Se pegarmos o que há de mais nobre nas duas ideologias, é possível resumi-las assim:
A direita quer liberdade. Gosto dessa palavra. Um direitista entende que as pessoas são diferentes umas das outras e que, por isso, podem ter aspirações diferentes, vontades diferentes e metas diferentes. Sendo assim, todos devem ser livres para buscar seus objetivos da maneira como acharem melhor – e naturalmente alguns, claro, vão se destacar mais do que outros de acordo com seus próprios méritos. O Estado não deve interferir nisso.
Já a esquerda quer igualdade. Boa palavra também. Um esquerdista entende que um ser humano só consegue se destacar com a ajuda do coletivo, da colaboração de todos. Um milionário só é milionário porque toda uma coletividade trabalha para isso – desde o peão da fábrica até o caminhoneiro que traz as peças. Não é justo, portanto, que quase tudo fique nas mãos de um indivíduo só. O Estado deve interferir nisso.
O problema da esquerda é que, se você institui a igualdade total, com o mesmo salário, as mesmas posses e a mesma riqueza para todo mundo, a tirania está instalada. É o stalinismo; não há liberdade. Você não pode ser quem gostaria de ser, nem fazer o que gostaria de fazer, nem ter o que gostaria de ter. Você é obrigado a ser igual. Igualzinho a todos.
Já o problema da direita é que, se você institui a liberdade total, com a certeza de que o mérito, o talento, o empenho, a dedicação são o único critério para determinar o destino de alguém, a tirania também impera. Porque, neste caso, o pobre é pobre porque quer. Porque não teve competência para deixar de ser pobre. Qualquer senso de comunidade vai para o ralo quando a igualdade não vale nada.
O mérito, em qualquer disputa entre duas pessoas, só é um critério justo se elas tiverem as mesmas condições de desenvolver esse mérito.
No meio do caminho, tentando unir o que há de melhor – e rejeitar o que há de pior – na direita e na esquerda, existe o centro. Eu aqui sou um entusiasta do mérito, como a direita. Concordo que as pessoas devam ser livres para fazer suas escolhas e se destacar conforme o próprio talento. Só que o mérito, em qualquer disputa entre duas pessoas, só é um critério justo se todos tiverem as mesmas condições de desenvolver esse mérito.
Uma vaga na faculdade, por exemplo.
O filho de um desembargador que teve acesso às melhores escolas e nunca trabalhou na adolescência certamente teve melhores condições de desenvolver seus méritos do que o filho de uma faxineira que estudou em escola pública e trabalha como engraxate desde os 10 anos de idade. O primeiro concorrente larga com vantagem descomunal sobre o segundo.
Para emparelhar essa distância, é o Estado que deve garantir, por meio de educação e políticas públicas, que os dois tenham oportunidades iguais para iniciar a competição lado a lado. Se eles derem a largada juntos, em igualdade de condições, aí, sim, é legítimo e justo que o primeiro a cruzar a linha de chegada, lá na frente, seja aquele que tiver mais talento, dedicação e empenho.
Quer dizer: o Estado interfere para garantir igualdade, mas de oportunidades – não de resultados, com todos ganhando o mesmo salário, nada disso. Porque só com igualdade de oportunidades o filho de uma faxineira que trabalha como engraxate terá, enfim, liberdade para ser quem ele quiser ser.
Em resumo, tanto a esquerda quanto a direita podem ser ótimas, não tenho dúvida. Desde que elas trabalhem juntas.