A dois meses de completar o segundo ano de mandato, o prefeito Nelson Marchezan (PSDB) recebeu a coluna nesta segunda-feira (29) em seu gabinete para comentar o resultado da eleição. Disse ter votado em Bolsonaro "por exclusão" – preferiu "um salto no escuro" a se atirar "em um precipício já conhecido". Mas, segundo ele, nem o futuro presidente nem o futuro governador vão resolver os principais problemas da cidade.
Em quem o senhor votou para governador e presidente?
Para governador, votei num tal de Eduardo aí, que disseram que é gente fina (risos). Para presidente, votei no Bolsonaro por exclusão. Meu candidato era o Alckmin, mas, no segundo turno, tínhamos duas opções: dar um salto no escuro, que seria o voto no Bolsonaro, ou dar um salto em um precipício já conhecido, que seria o voto no Haddad. Eu preferi saltar no desconhecido a saltar no que eu já sabia que não queria.
Quais são seu receios em relação a Bolsonaro?
Eu espero que o Bolsonaro presidente não seja o Bolsonaro deputado. Primeiro, porque ele sempre se mostrou um estatizante, além de ter construído uma trajetória muito vinculada a corporações e sindicatos. Tomara que ele esteja, mesmo, se revendo. E, segundo, porque ele disse coisas extremamente conservadoras, equivocadas, em relação aos costumes – e nem sei se ele pensa, de fato, as coisas que disse, ou se aquilo era uma estratégia marqueteira.
O senhor se refere aos ataques a homossexuais?
Sim, eu sou um liberal e entendo que as pessoas podem – e devem – ter suas próprias orientações e opções de vida. Ao Estado, cabe justamente proporcionar as condições para que as pessoas consigam seguir suas escolhas. Se Bolsonaro tiver essa sensibilidade, ele pode ter alguns acertos. Mas o principal, o único caminho possível para o país avançar – aliás, para qualquer país do mundo avançar, como fez Portugal, Alemanha, Grécia – é a reforma da máquina. Ou ele faz reformas, ou vai frustrar o Brasil.
Fala-se há 20 anos que o nosso problema é o pacto federativo, e isso é uma mentira. Não adianta botar mais dinheiro em um modelo falido.
No discurso da vitória, Bolsonaro falou em um novo pacto federativo. Seria uma esperança para Porto Alegre sair do atoleiro?
Porto Alegre pode ter pequenos avanços em virtude de um bom governo federal ou estadual. Mas a mudança significativa é o município que precisa fazer. Não adianta transferir responsabilidades. Tem muita cidade que está bem porque fez a lição de casa. Fala-se há 20 anos que o nosso problema é o pacto federativo, e isso é uma mentira. Porque, se Bolsonaro mandar dinheiro livre para Porto Alegre, esse dinheiro vai para o mesmo ralo de pagar despesas com pessoal. Em uma empresa, por exemplo, não adianta um investidor botar mais recursos se ela está falida no seu modelo. Porque ela vai seguir gastando mal, vai seguir gastando onde não deve.
O senhor fala das reformas que tentou aprovar na Câmara e não conseguiu?
Sim, este foi um ano em que tentamos fazer reformas necessárias para uma revolução na cidade. As mais significativas, ainda não conseguimos. Não adianta eu dizer que Eduardo Leite, por ser do meu partido, vai salvar a cidade ao assumir o governo do Estado, porque é outra mentira. O que ele melhorar no Estado, como a segurança pública, terá reflexos positivos aqui, mas boa parte das mudanças é responsabilidade do município.
E essa divisão irracional que tomou o país, que reflexos o senhor percebe aqui?
O que me frustra é ver que Porto Alegre poderia ser uma cidade melhor em um espaço de tempo muito curto. Quatro anos é tempo suficiente para transformar uma cidade. Mas as mesmas reformas que foram votadas no governo do Estado e no Congresso, os partidos que aprovaram lá não aprovaram aqui na Câmara de Vereadores. Refiro-me à Previdência, às pensões, às mudanças no funcionalismo, às parcerias público-privadas. Mas não quero criar mais um atrito com os vereadores, não é uma particularidade deles, isso ocorre no país todo.
Mas que relação isso tem com a polarização sobre a qual perguntei?
Não há outro motivo para votar contra projetos positivos que não seja essa polarização. O PSDB, meu partido, fez a mesma coisa. Votou contra projetos da Dilma, como o fator previdenciário, que eram bandeiras nossas. Por quê? Porque a política virou um espetáculo. O próprio Bolsonaro faz essa espetacularização, Trump também. Não é só uma polarização entre esquerda e direita, é a política do espetáculo. E não estou falando especificamente da nossa Câmara, isso está disseminado.
Não é aceitável que hoje você vá em uma escola municipal e veja professores dizendo para as crianças fazerem desenho contra o Marchezan.
Mas existe uma polarização entre esquerda e direita muito clara no dia a dia da sociedade, não?
Isso não vem de hoje. Jean Wyllys (deputado federal do PSOL) caricaturizou uma situação e Bolsonaro caricaturizou outra. Os dois se alimentaram, só que Jean Wyllys desapareceu frente a força de Bolsonaro. A mídia precisava de dois opostos e pegou dois opostos dentro de um tema, que são as questões de gênero – que, embora sejam importantes, não mudam a vida de todos. E é um debate inócuo, é uma obviedade: respeitar a orientação de todos é uma garantia constitucional.
O que acha dessa espécie de revolução moral que Bolsonaro propõe na educação? Escola sem partido, horror a Paulo Freire, aversão a qualquer conteúdo de gênero...
Esse extremismo do Bolsonaro foi criado por um extremismo de outro lado. Não é aceitável que hoje você vá em uma escola municipal e veja professores dizendo para as crianças fazerem desenho contra o Marchezan.
Isso existe?
Existe. E ainda me mandam. Fazem palestras com pais contra o governo Marchezan. Isso existe em Porto Alegre e deve existir em outras cidades, o que gera revolta em famílias que podem não concordar. Tem pais que ficam revoltados por saberem que aquilo sobre o Marchezan não é verdade.
Então lhe agrada o Escola sem Partido (projeto que proíbe "doutrinação ideológica" nas escolas)?
O Escola sem Partido pode ser uma boa tese, defendendo que os alunos tenham acesso à diversidade de opiniões, o que nem sempre ocorre. O conceito é bom, mas a prática pode levar a um prejuízo, a uma caça às bruxas. O ensino estatal está doente e precisa, sim, de um remédio. Mas o remédio de Bolsonaro é exagerado: está errado na dose e no conteúdo.
Não pensei nisso (reeleição). Não sei nem em que partido vou estar. Não sei se o PSDB não vai se transformar em outro partido.
O senhor foi eleito nessa onda de repulsa ao PT e de ascensão das ideias liberais. Já pensa em reeleição?
Não, não pensei nisso. Acho que vai mudar tanta coisa ainda. Não sei nem em que partido vou estar. Não sei o que vai ser do meu partido, o PSDB.
Como assim?
Não sei se o PSDB não vai se transformar em outro partido. Mantenho contato com governadores, senadores, deputados, e o cenário é de mudança. O PSDB tem que mudar. Talvez até mudar seus membros, alguns irem para outros partidos... Temos hoje o PT de um lado e o PSL de outro. O resto, as pessoas acham que está tudo na lata de lixo. E eu não estou na lata de lixo. Não consigo adiantar o que vai haver com o PSDB, mas alguma coisa vai haver.
O senhor teme que alguns secretários da sua gestão migrem para o governo Leite?
Se for para fazerem um bom trabalho lá, o que consequentemente ajudará a cidade, não vejo problema. Aliás, pessoas do atual governo (de José Ivo Sartori) também podem vir para cá. Já mapeamos alguns quadros técnicos que nos interessam. Santa Catarina também tem um bom governo (de Eduardo Pinho Moreira, do MDB, que assumiu o lugar de Raimundo Colombo, do PSD, que renunciou para concorrer ao Senado) chegando ao fim. Já estou ligando para algumas pessoas.
Como avalia este ano como prefeito?
Ainda não conseguimos fazer as reformas mais significativas, mas os compromisso de campanha estão sendo entregues. Todos os pardais da cidade agora fazem o reconhecimento de placas de carros furtados ou roubados. Na Educação, foi a primeira vez no Brasil que um governo contratou uma escola para dar aula: a Pequena Casa da Criança é uma instituição filantrópica, não incha a máquina estatal, não faz greve, não faz partidarismo e aplica uma metodologia aprovada pela prefeitura. Entregamos um trecho revitalizado da orla e, no primeiro semestre de 2019, queremos lançar a licitação do segundo trecho.
Vamos seguir conversando, negociando, não tem outro caminho (para aprovar na Câmara as reformas municipais).
Qual o primeiro assunto que o senhor abordaria em uma audiência com Bolsonaro?
Reformas que venham de cima para baixo. Reforma da Previdência, por exemplo, que não seja para os Estados e municípios fazerem. Reforma tributária também, que não se deixe para 27 parlamentos estaduais e 5,7 mil parlamentos municipais. Porque isso demoraria 50 anos e, em em boa parte dos municípios, nunca vai acontecer.
E qual é a solução para aprovar na Câmara de Vereadores as reformas que o senhor tanto quer fazer?
Conversar. Vamos seguir conversando, negociando, não tem outro caminho.