Um dos mais dedicados estudiosos do pensamento conservador no Brasil, o gaúcho Eduardo Wolf, filósofo de 38 anos, derruba o mito de que casamento gay e descriminalização das drogas são coisa de progressista. Ele próprio, que se define um "liberal conservador" – nesta entrevista, Wolf explica por que não há contradição entre esses dois termos –, defende uma série de pautas que nos acostumamos a encontrar na esquerda.
– Direitos civis e liberdades individuais estão acima disso. Não pode uma pessoa esclarecida achar que a solução para o problema das drogas, por exemplo, é fuzilar a Rocinha – afirma ele, reconhecendo que, no Brasil, "liberais e conservadores não se esforçam muito para parecer menos tacanhos, obtusos e reacionários".
Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), Wolf traduziu para o português A Mentalidade Conservadora, do americano Russell Kirk (1918-1994), e agora escreve um livro sobre a obra do filósofo britânico Roger Scruton, maior expoente do conservadorismo contemporâneo. Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Você é favorável ao casamento gay e à descriminalização das drogas, mas se diz um conservador. Há contradição nisso?
Quem defende a paz e a preservação da ordem social – que é um valor caro a qualquer conservador – certamente reprova os resultados miseráveis da chamada guerra às drogas. As políticas públicas nessa linha fracassaram, isso é incontestável, e novos caminhos são uma imposição da realidade. Quanto ao casamento gay, além de garantir direitos individuais a todos os cidadãos, é uma forma de estender os benefícios de uma instituição tradicional que é indispensável à preservação da nossa organização social.
Por que normalmente relacionamos essas pautas à esquerda?
Porque a esquerda é boa de relações públicas (risos). Mas é fato que há muitas posições reacionárias – seja em defesa da violência fora da lei, ou do racismo e do preconceito generalizado, ou mesmo da recusa irracional à transformação e à mudança – que a esquerda sabe muito bem botar na conta de posições liberais e conservadoras. Por outro lado, liberais e conservadores brasileiros não se esforçam muito para parecer menos tacanhos, obtusos e reacionários. Por isso, esses temas sempre foram quase que exclusivamente vinculados à esquerda.
Como é possível ser liberal e conservador ao mesmo tempo, que é como você se define?
A tradição liberal na política remonta ao século 17. Devemos a ela ideias elementares, como governo representativo constitucional, separação de poderes, valores de tolerância religiosa e política. O conservadorismo moderno, fundado por Edmund Burke, nasce no interior dessa tradição, e não fora dela. E nasce para se opor aos ímpetos revolucionários destrutivos dos jacobinos da Revolução Francesa – cujos herdeiros foram os revolucionários socialistas e comunistas. Se é para usar um rótulo, prefiro "liberal conservador", que é usual na tradição britânica.
Nada disso (no pensamento conservador) é incompatível com qualquer avanço social em qualquer área.
EDUARDO WOLF
Filósofo
Por falar em rótulos, por que não se considera um progressista, já que apoia pautas hoje tão relacionadas à esquerda?
Entre os valores que considero mais importantes estão as garantias da propriedade privada, a estabilidade social mediante instituições públicas, a soberania de uma lei imparcial e da liberdade apenas sob essa lei, o apreço aos esforços do passado – que nos legaram desde a grande arte até o nosso direito à liberdade de expressão – e a responsabilidade de preservar e transmitir esses valores às futuras gerações. Nada disso é incompatível com qualquer avanço social em qualquer área, mas que corrente política do progressismo ou da esquerda se deixaria mobilizar por esses valores?
As instituições brasileiras ainda estão se consolidando, e o país tem um histórico gigantesco de regimes arbitrários. O que um conservador quer conservar no Brasil?
Esta pergunta é fundamental. Roger Scruton lembra que é no mundo de língua inglesa – com as tradições da common law e das liberdades individuais, cujo ponto fundador é a invenção do habeas corpus e da Constituição – que o conservadorismo se tornou um termo respeitável. Partidos que carregam a expressão "conservador" em seus nomes mobilizam eleitores há mais de 200 anos. Em parte, isso é porque apenas nesses países o conservadorismo, com todos os seus acidentes e transformações, demonstrou que há valor em preservar o que herdamos do passado: liberdade para viver como desejamos – na segurança da lei –, justiça imparcial, transmissão de um ambiente de cultura complexo e profundo, constituição de uma imagem do coletivo que garanta as individualidades. O conservador, portanto, quer preservar tradições e instituições louváveis e bem-sucedidas na experiência ocidental como um todo – ainda que elas, no seu país, precisem ser desenvolvidas e aprimoradas.
Quando se deu conta de que era um conservador?
O que me atrai na posição liberal conservadora é uma atitude intelectual e um temperamento político: o ceticismo em relação à natureza humana e seus constructos teóricos e a prudência em relação às maquinações políticas e suas transformações da sociedade. Tudo isso vivido em um ambiente de economia de livre mercado e de garantias individuais – abrigadas em uma Constituição e em um governo representativo. David Hume, Adam Smith e Edmund Burke no lugar de Hegel, Marx e Engels, digamos assim.