Depois daquela patuscada envolvendo a mostra Queermuseu, liguei para quatro liberais que conheço – dois de Porto Alegre, dois de São Paulo. Mas falo de liberais mesmo, desses que estudam e cultuam o liberalismo, frequentam conferências, atuam em institutos, conhecem tudo de Friedman, Hayek, Mises, Locke, Hobbes, Smith, Voltaire e Stuart Mill.
Um deles é vereador. O segundo é secretário. Os outros são líderes importantes em organizações dedicadas a disseminar o pensamento liberal.
Todos disseram ser contra a suspensão da mostra. Todos disseram que nada pode ser menos liberal do que o Movimento Brasil Livre (MBL). Só que todos, publicamente, preferiram o silêncio. Ficaram quietos. Nenhum dos quatro aproveitou sua influência para externar o que pensa – e a principal justificativa foi uma espécie de pânico de se alinhar à esquerda.
– Como é que vou subir na tribuna para concordar com o PSOL? – disse o vereador.
Enquanto eles emudeciam, um dos líderes nacionais do MBL, Kim Kataguiri, concedia uma entrevista à Rádio Gaúcha dizendo que o boicote promovido pelo movimento foi, sim, um exemplo de prática liberal:
– A gente não pediu que nenhuma lei proibisse a mostra, a gente não pediu que o Estado interviesse. Nós utilizamos nosso direito de liberdade de expressão para fazer uma campanha de boicote para que as pessoas pressionassem o Santander a voltar atrás. Não há nada de censura nisso.
Uma cambalhota retórica impressionante.
Muito antes de lutar contra a interferência do Estado, o liberalismo defende valores. O economista Milton Friedman, em sua obra-prima Capitalismo e Liberdade, escreveu que "a essência da filosofia liberal é a crença na liberdade do indivíduo de usar suas capacidades e oportunidades conforme suas próprias escolhas, sendo sua única obrigação não interferir na liberdade que os outros têm de fazer o mesmo".
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Quer dizer: não existe amparo algum no pensamento liberal para Kim Kataguiri se intrometer no que eu posso ver, assistir, ouvir ou consumir. Essa postura até seria aceitável se as obras estivessem expostas na rua, no espaço público, violando assim a liberdade de quem não quisesse contato com elas. Outro soco no liberalismo veio da coordenadora do MBL no Rio Grande do Sul, Paula Cassol:
– Para começar, não entendo que isso seja arte.
Ora, e eu com isso? E se eu achar que é? Não há valor maior no liberalismo do que o respeito à pluralidade de visões, à divergência de juízos. E sobre o uso de dinheiro público na Queermuseu – outro argumento frequente para acabar com a exposição –, não tenho nada contra discutirmos o fim da Lei Rouanet, mas, por enquanto, a lei existe e financia milhares de produções artísticas país afora. Vamos agora consultar o MBL e a Igreja Católica a cada isenção fiscal concedida no país?
Ou os verdadeiros liberais se levantam imediatamente contra essa onda autoritária que desmoraliza os princípios do liberalismo, ou vão se arrepender da própria omissão quando o Brasil mergulhar em trevas depois da eleição de 2018. Farão igualzinho àqueles que, em nome da repulsa à esquerda em 1964, ficaram quietos na hora do golpe e mais tarde choramingaram:
– Não pensamos que seria tão violento...