– A gente sempre fala: este não é um espaço para a direita.
A frase do ator e diretor Thiago Pirajira, um dos fundadores do já conhecido Bloco da Laje, de Porto Alegre, resume bem um fenômeno que atinge o apogeu em 2017: a popularização dos blocos de Carnaval carregados de ideologia. Se por mais de um século bastava uma dúzia de vizinhos se organizando para um desfile tomar as ruas, hoje os elementos que agregam os membros de um bloco dão sinais de mudança.
– As novas gerações passam a ter outras formas de contato e agrupamento que não se limitam mais ao bairro onde moram, como normalmente ocorria no Carnaval – diz o professor da UFRGS Rodrigo Stumpf González, especialista em cultura política.
Quer dizer: ao mesmo tempo em que as redes sociais permitiram novas formas de se agrupar, elas também resultaram em novas separações – que agora se manifestam inclusive no Carnaval. Em Porto Alegre, milhares de simpatizantes da esquerda têm tomado as ruas para acompanhar as batucadas do Bloco da Laje, fundado por jovens artistas em 2012, e de outros grupos como o Bloco da Diversidade. Este último surgiu na campanha eleitoral de 2014, "quando uma onda conservadora e preconceituosa ganhou força", conforme explica sua página no Facebook.
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– Somos um bloco de esquerda, e todos aderem ao Fora Temer – afirma uma das fundadoras, a socióloga Ana Paula Rosa, que também integra o bloco feminista Não Mexe Comigo que Eu Não Ando Só, formado apenas por mulheres.
Com os direitos da população LGBT como bandeira, o Bloco da Diversidade costuma adaptar letras consagradas para versões mais condescendentes com as minorias. Vale Tudo, de Tim Maia, fica assim: "Também vale dançar homem com homem, e também mulher com mulher". Já o Bloco da Laje, que conta com intervenções cênicas em seus desfiles, se empenha na desconstrução de conceitos tradicionais: "Vamos tirar Jesus da cruz, eu tô pregadão, eu tô peladão, Jesus é negão, Jesus é mulher".
Como reação ao domínio esquerdista no Carnaval, um grupo ligado ao Partido Novo criou o bloco Revoltados de Atlas – uma referência ao livro A Revolta de Atlas, da filósofa liberal Ayn Rand. Mas o evento chamando para o desfile tinha apenas 29 confirmados nesta quarta-feira.
– Ou seja, o Carnaval, que deveria ser um momento de esquecer as diferenças, de ter como única motivação a festa, a brincadeira e a música, vira mais um reduto de diferenças. Não acho que seja saudável levar todas as nossas divergências para todos os momentos da vida – avalia o professor Rodrigo Stumpf González.