Meu amigo diz que foi curado pelo Doutor Fritz. Há semanas só penso nisso. Porque o Doutor Fritz, vocês sabem, era um médico alemão que já morreu. Quer dizer, não existem registros oficiais sequer de que ele tenha vivido, mas seus seguidores afirmam que Adolf Fritz "desencarnou" em 1918.
Desde a década de 1950, Doutor Fritz utiliza o corpo de médiuns brasileiros para realizar cirurgias – seus procedimentos incluem abrir cabeças, enfiar bisturi nos olhos e rasgar a carne de pacientes sem anestesia. Há um médium aqui no Estado que recebe o espírito do alemão: chama-se Mauro Vieira, um servente de obras de Rosário do Sul. Suas consultas são gratuitas, reúnem centenas de pessoas. O meu amigo Fábian Chelkanoff, respeitado professor de Jornalismo que sofreu três AVCs e uma isquemia cerebral, soube que o Doutor Fritz estaria em São Leopoldo no dia 13 de abril. Decidiu que iria vê-lo.
Fábian era uma das pessoas mais sorridentes que já conheci, mas tornara-se um homem triste. Compreensível: tremia muito nas mãos e nas pernas, caminhava com dificuldade, tinha perdido 21 quilos, não conseguia mais escrever e carregava olheiras profundas no rosto pálido. Seu quadro era grave, aos 43 anos.
– Pressão intracraniana bem acima do aceitável. Tem muito sangue derramado aí dentro – constatou o Doutor Fritz após cinco segundos com as mãos sobre a cabeça do Fábian.
Era o mesmo diagnóstico dos médicos. Fritz pediu ao meu amigo que se deitasse em uma maca e tomou nas mãos duas tesouras, daquelas cirúrgicas, compridas e pontiagudas, então as introduziu nas narinas do Fábian e foi empurrando os instrumentos até chegarem à sua testa, deixando de fora somente as esferas onde se enfiam os dedos. Fábian não sangrava, não sentia dor nem desconforto. Conversava normalmente com sua mãe, que o acompanhava no ginásio municipal de São Leopoldo.
A cirurgia durou dois minutos. Liberado, Fábian desceu da maca e sentiu no chão as pernas firmes. Viu a mãe cair no choro porque seu rosto estava corado. As olheiras haviam sumido. A tremedeira havia parado, a habilidade para escrever tinha voltado e, dentro de poucos dias, o neurologista confirmaria com exames que ele estava curado.
Como é que se explica um negócio desses?
Não faz muito, escrevi que uma das maiores inquietações da minha vida refere-se à existência ou não de Deus – e isso se estende para a existência ou não de qualquer fenômeno sobrenatural. Não faço a menor ideia se essas coisas existem, não tenho opinião formada sobre elas, mas uma certeza pude aprender com a minha dúvida: a ciência não dá conta de tudo. A razão, muito menos.
Cada vez mais percebo que a razão, quando elevada a critério único de interpretação sobre a vida, é infértil, medíocre e essencialmente limitada. Porque a vida ultrapassa as convicções lógicas, ultrapassa o terreno técnico e palpável quase que todo dia. É uma pretensão megalômana achar que a ciência tem, ou poderá ter, respostas para todas as vicissitudes de um mundo que não se resume à ciência.
Foi Deus quem curou o Fábian? Foi o Doutor Fritz? Foi a força da sua mente, convencida de que a cura viria? Ou foi o tratamento médico tradicional, que teria gerado resultados justamente no momento em que ele se levantava daquela maca no ginásio de São Leopoldo? Não creio que alguém tenha autoridade para responder.
Fábian agora é voluntário da causa, faz doações, acompanha o médium Mauro Vieira em consultas pelo Estado. Ele sente que foi curado pelo Doutor Fritz. E, se ele sente, por que precisaria provar alguma coisa?